Amores Eternos 04 - Nas sendas do tempo - Loreley McKenzie

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Coleção Amores Eternos 04 Nas Sendas Do Tempo The Past Is My Future Loreley Mckenzie Adam Schuster é um homem bonito, rico e educado, do tipo que as mulheres costumam classificar como príncipe encantado. Mas Adam não consegue amar e nem se relacionar com ninguém. Há algo dentro dele que o impede de se entregar, de abrir o coração. Certo dia, ele encontra, guardado em um velho porão, o quadro de uma mulher e se vê completamente apaixonado. Só havia um problema: a misteriosa Violet tinha morrido séculos

antes de Adam nascer! Desesperado, ele arrisca a vida e a própria sanidade numa aventura impossível para alcançar seu grande amor no passado.

Digitalização: Desconhecida

A empregada pediu licença e saiu. Continuei deitado, agora olhando para o teto e rezando a todos os santos para não despertar. Se aquilo fosse um sonho, eu queria morrer dormindo. Fechei os olhos e o rosto que vinha assom brando meus dias surgiu à minha frente. Lin do. Temo e provocante. Maior do que a vida. Chamando-me sem dizer uma só palavra. "Cruzei as fronteiras do tempo para te en contrar, meu amor", pensei, esquecendo os úl timos vestígios da lógica que inutilmente tenta va me fazer duvidar de tudo aquilo. Como ela seria em carne e osso? Como seria sua voz, seus

movimentos, o perfume que seu corpo espalhava pelo ar quando caminhava? Faltava pouco, agora. Em breve, ela estaria na minha frente. Não mais encarcerada em um quadro. Em pessoa. Para sempre.

Prólogo Parada sobre os rochedos, ela imaginava como seria voar. A brisa que vinha do mar agitava suavemente seus cabelos dourados e o sol, refletido nos olhos cor de violeta, dava-lhes um aspecto tão magnífico que nem o maior mestre da pintura seria capaz de reproduzir. Sentia-se como um pássaro em uma gaiola dourada: a alma livre, presa no corpo, queria voar para o infinito. O que haveria além do horizonte? Será que alguém estaria à sua espera? Sabia que, por ser rebelde, o que queria para sua vida não se encontrava em sua época, e ela jamais seria feliz seguindo as regras de comportamento que lhe eram impostas. Aproximou-se mais da beira do penhasco, enfrentando o perigo. Precisava de desafios, emoções, Uberdade! Pensou em seu pai e sobre o que conversaram na noite anterior. Ela ia casar-se com o filho de lorde Edward, aque le esnobe insuportável que a olhava como se fosse uma égua parideira. A jovem não amava o rapaz e tinha certeza de que aquele casamento não daria certo. Mas tinha de aceitá-lo: era sua obrigação, era seu destino. Respirou fundo, sentindo o ar encher seus pulmões com o perfume de outras terras. E se ela voasse? Por uma fração de segundo teve vontade de experimentar… mas recuou. "Um dia tudo vai mudar e não serei mais obrigada a fazer o que não quero. Um dia vou amar e ser amada, e não precisarei mais imaginar como seria voar, porque minha alma será livre", pensou, encarando o abismo de modo desafiador. "Pode demorar o tempo que for, o homem que espero vai me encontrar. Quando isso acontecer, eu o reconhecerei… e saberei que ele é meu e eu, dele." Virou de costas para o mar e caminhou de volta para casa. "Ainda que demore mais de um século, eu vou ser feliz!" prometeu a si mesma. Sem saber, ela acertou com uma incrível precisão: realmente demoraria mais de um século até que o verdadeiro amor chegas se em sua vida… Capítulo I — Violet está aqui? — perguntou Camille entusiasma da, jogando longe o livro de poesias e pulando da cadeira. — Está, senhorita, lá embaixo, no escritório, con versando com lorde Edward. — Por que não me avisou antes? — perguntou a moça con trariada, ajeitando os cabelos para encontrar a cunhada. Se Vio let estava lá, só podia ser por uma razão: tratar dos preparativos de seu casamento com Charlton McGregor. — Há quanto tempo Violet e papai estão conversando?

— Já faz algum tempo, senhorita. Camile desceu correndo as escadas acarpetadas. Esquecendo seus modos de moça bem nascida e esmeradamente educada, parou atrás da porta entreaberta do escritório do pai, para ouvir a conversa entre lorde Edward e a nora: — E terrível! — exclamou Violet com veemência — Preci samos dar um jeito de resolver isso. Camille ama Charlton, o casamento está próximo e, sinceramente, meu sogro, com todo respeito que lhe tenho, sinto-me tão traída quanto a pobre Ca-mille se sentirá ao saber de tudo. — Ela não pode saber, Violet! Não pode! — sussurrou o ho mem com voz foite. — E como vamos fazer? Não há como impedir que esse tipo de coisa não se espalhe, depois de descoberto. As pessoas fa larão sobre o assunto durante anos! E a reputação de Camille estará totalmente prejudicada! Parada atrás da porta, a moça sentia o coração disparar. Do que eles estavam falando? O que tinha de errado em sua reputa ção? Ela era pura e, apesar das insistentes tentativas de Charlton, sempre resistiu bravamente, guardando sua virgindade para a noite de núpcias. Continuou ouvindo a conversa com uma pon ta de medo no coração: a alegria e o entusiasmo com que desceu as escadas tinham desaparecido dentro dela. — Vou falar com a família McGregor amanha, fá mandei avi sar que vou visitá-los e aí veremos como reagem. — Você não pode fazer isso! Eu imploro! Será nossa ruína! A mulher virou-se lentamente para o sogro. O vestido negro e fechado que evidenciava seu luto ressaltava-lhe 3 cor da pele e o dourado dos cabelos. Sua voz soou cortante: — Devia ter pensado nisso antes de se envolver com uma prostituta e de comprometer o futuro de sua filha. Agora, não me resta outra alternativa senão contar a verdade e rezar para que os McGregor entendam e passem por cima da situação. Camille não compreendia o que estavam falando. Seu pai saía com prostitutas? Isso seria uma vergonha, sem dúvida, mas não era motivo para impedir seu casamento com Charlton. Afi nal, eles se amavam muito. E por que razão Violet iria dizer isso à família dele? — Sei muito bem que errei. — disse o homem, sentando-se pesadamente em frente à lareira. — Eu era muito novo. Emma era uma ótima esposa, mas nada carinhosa. E além de tudo eu estava na América! Nunca imaginei que essa história atravessa ria o oceano, ainda mais depois de tantos anos! — Mas atravessou. — a voz de Violet continuava implacável. — Sei que não há como lhe explicar, mas eu nunca amei a mãe de Camille. Foi apenas uma aventura, um caso sem impor tância. Genebre, embora muito bonita, era uma qualquer. Ela me procurou quando Camille nasceu, pois estava de partida para outro estado e não queria levar a garota junto. Ao olhá-la, notei que seus traços não negavam que era minha filha. Então eu a peguei e trouxe comigo de volta à Inglaterra. — E como explicou isso à lady Emma? — Bem, a semelhança de traços entre mim e a menina era tão evidente que dispensou maiores explicações. Durante algum tempo, Emma se recusou a falar comigo. Ameaçou envolver-me em um escândalo e separar-se de mim. Na época, Stewart ti nha 12 anos e estava em Londres estudando; o escândalo, além de manchar sua reputação, destruiria a vida dele. Ela não quis colocar o próprio filho nessa situação e, embora abominasse o que eu havia feito, afeiçoou-se a Camille. Como nunca mais conseguiu engravidar depois que Stewart nasceu, Emma passou a vê-la como a filha que sempre quis ter. Assim, criamos a menina e tudo parecia ter acabado bem.

— Até agora. — sentenciou Violet. Camille sentiu as pernas tremerem. Não era possível. Aquilo só podia ser um pesadelo! Ela queria acordar e ter sua vida de volta! Filha de uma rameira, de uma qualquer, enquanto Charl ton era parente de duques e condes! Seu sobrenome era o mais importante do país! — Deve haver uma maneira sensata de resolver isso! Não é justo que Camille pague por erros que não cometeu! — disse lorde Edward, erguendo-se e caminhando pelo aposento. — A única maneira é a verdade. Amanhã vou contar tudo que sei. Charlton precisa ser informado. Camille arregalou os olhos, horrorizada. As lágrimas caíam por seu rosto. Violet contaria tudo para Charlton? Mas por que faria isso? As duas eram amigas! Quando Violet se casou com Stewart, Camille era uma menina de 10 anos e ficou fascinada pela graça e beleza da cunhada. Imediatamente tomaram-se amigas. Quando seu irmão morreu em um trágico acidente de caça, apenas dois anos depois do casamento, foi em seus braços que Violet chorou! Violet, com seus cabelos loiros, olhos ametista e curvas graciosas… Violet, que mais parecia um anjo, recusava-se a tirar o luto e não se interessava por mais ninguém. De todas as pessoas, justo Violet ia traí-la, jogar seus sonhos no lixo? Não era justo, não era certo, Camille escondeu-se quando viu a cunhada se despedir do pai e assim se manteve, até que a mulher partiu em sua carrua gem e seu pai voltou para o escritório, trancando a porta. Aquilo não podia ficar assim. Alguma coisa tinha que ser feita! Sentindo-se perdida, ela correu de volta para o quarto e ati rou-se à cama chorando, dando vazão a toda sua revolta e de sespero. O mundo tinha desabado sobre ela. Sua vida estaria manchada para sempre e nunca mais poderia se unir a Charlton. Ao contrário, seria motivo de repúdio e escárnio, de fofocas e comentários venenosos. E tudo porque sua cunhada, sua amiga querida, Violet Saint James, ia contar a verdade! Ela precisava convencê-la a não fazer isso. Precisava falar com Violet, suplicar de joelhos, se necessário, mas tinha de im pedi-la de falar com Charlton! Controlando seu desespero, Camille olhou pela janela, avis tando os extensos campos verdes da propriedade onde mora va, que terminavam abruptamente nos penhascos do oceano. Muitas vezes, quando criança, ela ia até lá para ver o mar deba ter-se inutilmente, tentando remover as rochas que impediam sua passagem. Agora era ela que se debatia inutilmente. Sua alma ardia sob as palavras que tinha ouvido do pai. Sua mãe era uma prostituta qualquer, perdida na distante América. Não! Nunca! Sua mãe era Emma Saint James, mulher piedosa e temente a Deus, que a criou e educou desde criança. Andando de um lado para outro, Camille decidiu procurar Violet antes que fosse tarde demais. Sabia que a amiga costuma va dar longos passeios a pé pelos penhascos, perdida em pen samentos que Camille imaginava serem todos para seu falecido irmão. Pegou a capa e mandou chamar o cocheiro. Ia encontrar-se com a cunhada e fazer o que fosse preciso para convencê-la a não revelar nada para Charlton e sua família. Bem ao contrário do que a jovem Camille imaginava, não era em Stewart que Violet pensava ao contemplar o mar. Tinha se casado oito anos atrás por mera imposição familiar: um arranjo de interesses entre o pai, Josiah Miller Jackson, que tinha muito dinheiro, e Edward Saint James, homem de grande prestigio, cujo nome era respeitado na corte. Seria lucrativo para ambos que Violet e Stewart se unissem. Não havia entre ambos a mínima afinidade ou afeição. Violet o achava um esnobe insuportável e ele a julgava uma moça fora de seu tempo, sempre cheia de ideias sobre independência e li berdade. Mas era

bonita, muito bonita realmente. Casaram-se, enfim, sob as bênçãos de Deus e da família, e fizeram de tudo para viver em paz. Seis meses depois, Stewart mudou-se para outro quarto e Violet se viu livre das obrigações maritais. Não que ela não gostasse de sexo. Ela não gostava com eíe. Imaginava que deveria ser agradável relacionar-se intima mente com o homem certo, capaz de lhe despertar pensamentos e desejos que mulheres de sua posição social não ousavam ter. Quando, numa fria tarde de setembro, chegou o aviso de que o marido havia se ferido mortalmente em uma caçada, Violet comportou-se como esperavam que se comportasse: chorou e cuidou de Stewart durante duas semanas, até ele vir a falecer, aos 25 anos. Desde então, ela adquiriu o hábito de caminhar pela beira dos penhascos. A visão do horizonte lhe dava a sensação de liberda de que ela tanto apreciava. Viúva aos 19 anos, ainda mantinha luto fechado, mesmo passados seis anos, o que socialmente era visto como prova de amor e dedicação ao marido. Mas na ver dade aquilo era uma forma de manter afastados os pretendentes àsua mão… e à sua fortuna. Não se casaria novamente. A jovem tinha conseguido conquistar uma posição social e financeira confortável, da qual não abriria mão facilmente. A não ser, é claro, que aparecesse alguém especial, que a fi zesse viver como queria, que quebrasse os preconceitos da épo ca, que a arrebatasse. Até então, continuaria uma jovem bela, rica e… viúva. E principalmente dona do próprio nariz. Ela caminhava, sentindo a forte brisa marítima acariciar seu corpo e o sol da tarde aquecê-la, quando avistou Camille cor rendo em sua direção. Pobre menina. Que destino a vida lhe reservou. Precisava encontrar uma maneira de poupá-la do es cândalo e da tristeza que a esperavam. Quando, três dias antes, aquele homem a procurou, amea çando contar toda a história de Camille a Charlton McGregor, caso ela não lhe pagasse a fortuna que pedia, Violet ficou indig nada. Afinal, seu sogro era um homem honrado, com princípios morais inquebrantáveis, e não havia provas daquele absurdo. Ou havia? Para surpresa e horror de Violet, o homem podia provar suas alegações escandalosas. E seu sogro, como a grande maioria dos homens daquela época, dizia uma coisa e fazia outra. Usando seu costumeiro bom senso, ela pediu ao chantagista uma semana para levantar a quantia. Mas não tinha intenções de pagar nem um tostão. Não ia alimentar um canalha que no final das contas podia destruir a vida de Camille e fazer sabe-se lá o que mais. O tempo que pediu foi apenas para esclarecer toda a história e fazer o que lhe parecia mais correto: contar tudo a Charlton. Se realmente amasse Camille, ele não daria importância a nada e aceitaria o casamento, ainda que isso significasse mudar de país, o que também não era nenhuma novidade. Naqueles tempos, muitas pessoas faziam isso para evitar escândalos. Violet sorriu para a moça, que se aproximava correndo: — Violet! Violet! Espere… — gritou Camille, correndo ao en contro da amiga. Violet acenou e imaginou o que viria a seguir. De costas para o penhasco, esperou a cunhada se aproximar. Camille corria em direção a ela, parecendo desesperada. Con forme chegava mais perto, Violet podia ver seu rosto vermelho e seus olhos inchados. Pobre menina! Que destino! Ela precisava falar logo com Charlton e esclarecer aquela situação… — Violet! — Calma, assim vai ficar sem fôlego para os beijos de seu noivo! — brincou.

— Violet! Pelo amor de Deus! Não conte nada a ele! Não des trua minha vida! Segurando a cunhada pelos ombros, perguntou: — Do que está falando, Camille? — "Será que lorde Edward havia contado alguma coisa para a filha?", ela pensou. — Você sabe do que estou falando. Ouvi sua conversa com papai hoje, pela manhã. Por que quer destruir minha vida? Pen sei que fôssemos amigas! — Mas nós somos! Eu a amo como a uma irmã! De onde tirou a ideia de que quero destrui-la? Camille deu um passo à frente e Violet retrocedeu. Estavam agora mais perto da beirada do penhasco. — Eu ouvi suas palavras esta manhã. Você vai contar tudo! Já não me basta ser filha de uma rameira, ainda preciso perder o homem que amo? — Você não está entendendo… Não é como pensa, Camille… A moça avançou para lhe implorar que nada dissesse e Violet deu mais um passo atrás. Estava perigosamente perto da beira da da rocha. Lá embaixo, o mar muito azul, como sempre, cho cava-se contra os corais. — Camille, ouça, por favor! Não é como você pensa. Não quero lhe fazer mal! Violet sentia o desespero da moça e estendeu a mão para aca riciar seu rosto. Camille, para quem a cunhada representava o perigo de perder seu grande amor, repeliu o gesto e a empurrou com força. — Traidora! — gritou ela, enquanto Violet sentia seu corpo desequilibrar. Tudo aconteceu muito rápido. Camille estendeu o braço para segurar Violet, mas não houve tempo: ela escorregou na rocha lisa e seu corpo flutuou no ar. — Violet, não! — a jovem gritou, desesperada. No instante em que se viu caindo, Violet olhou muito assus tada para a amiga e tentou dizer alguma coisa, mas não deu tempo. Despencou pesadamente e seu corpo chocou-se contra as rochas. A última coisa que sentiu foi a água envolvê-la. Mais nada. Violet Saint James estava morta. Capítulo II Isabelle Adjani desfilava impecável pela tela da TV, interpre tando Marguerite de Valois às vésperas da sangrenta Noite de São Bartolomeu. A imagem de sua beleza contrapondo-se à brutalidade, na antecâmara de um dos episódios mais sangrentos da história, roubou minha atenção e aguçou meus sentidos a tal ponto que me senti o próprio Henry de Navarre. Não que eu gostasse dele ou concordasse com suas ideias, mas é que o homem havia se casado literalmente com uma mu-lher-maravilha. Que corpo! Que cabelos! Tão fascinado eu estava, imaginando aquele monumenío nos braços e sentindo sua pele em contato com a minha, que sim plesmente não escutei o telefone tocando ao meu lado. "Mas que droga!", pensei, enquanto abandonava as ideias românticas com minha rainha Margot e me rendia à tecnologia implacável. Atendi com má vontade, rezando para que nenhuma velhi nha viúva tivesse moirido, deixando um espólio confuso e em poeirado que me forçaria a cruzar o país para avaliá-lo. Fazia só três dias que eu tinha chegado de viagem e pelo menos um mês que não conseguia ficar em casa sossegado, praticando minha atividade predileta:

deitar no sofá com uma cerveja e deixar que a banalidade da televisão me limpasse a mente. Ah, a preguiça! Que maravilha! — Alô? — atendi com voz de assassino colombiano. — Adam, é você? — perguntou a moça. E agora? Será que ela desistiria se eu respondesse que não? Ou ia ficar ligando até que eu finalmente me rendesse dizendo: "Sim, sou eu"? Decidi me render antes: — Sou eu, Millie, pode falar. — Nossa! Que voz é essa? Está doente? "Estou… De preguiça", pensei. — Não, estava vendo televisão. — Você tem alguma coisa marcada pra este final de semana ou está livre? — Ai vai depender das suas intenções… — respondi com uma ponta de malícia na voz, que Millie fingiu não perceber; ou me conhecia bem demais para levar aquilo a sério. — Minha tia Albertine morreu. — disse ela de repente, como se aquilo fizesse algum sentido. — Jura? Nossa… Sinto muito… — eu não sentia, é claro, mas é questão de educação sempre dizer isso quando alguém perde um parente. — Na verdade já faz um mês, Adam. É por isso que estou ligando. Um sinal de alerta vermelho começou a piscar em algum lu gar de minha cabeça. Quando alguém me procura com esse tipo de conversa, só pode significar uma coisa: trabalho. E tudo o que eu não queria naquele momento era sair de casa para mexer em velharias empoeiradas, entulhadas em algum sótão ou porão. — Não me diga… — respondi, evasivo. — A coitada já estava com 98 anos e nem era tão próxima assim, mas, por alguma razão que só Deus ela sabem, apareci no testamento como sua única herdeira. Vou ter que ver a casa e tudo que agora é meu, e pensei em te levar junto. Lá deve haver muita coisa capaz de render dinheiro no seu próximo leilão. Maldita hora em que resolvi ser leiloeiro. Podia ter feito me dicina, odontologia ou até arqueologia e passar a vida em algum lugar exótico e quente, mas não. Eu rinha que me interessar por coisas antigas e me meter no mercado de arte. Devia ter ouvido meu pai, meu avó e meu tio Phillip, que tentaram me convencer a seguir os negócios da família e ser um próspero fabricante de cabides. Agora era tarde. Estava no ramo há 15 anos, meu nome era respeitado e minha firma uma das mais procuradas por famílias cheias de dinheiro. Já me perguntei muito se meu sucesso não es tava diretamente relacionado às mulheres terem uma queda por mim. Muitas disseram que eu era uma mistura de Pierce Bros-nan com John Travolta, apesar de nunca ter entendido como essa combinação seria possível. Mas o fato é que sempre me dei muito bem com o sexo oposto. Tanto que 98% dos meus clientes eram mulheres. — Adam, você está aí? — perguntou Millie, trazendo-me de volta ao mundo real. — Claro. Estou só consultando minha agenda. Onde morava sua Ha? — Perto de Cincinatti, numa cidadezinha chamada Blue Trees. E tão pequena que nem deve aparecer no mapa. — Cincinatti, Ohio? — perguntei desnecessariamente, procu rando ganhar tempo e pensar numa boa desculpa para não ir. — Lógico. Você conhece alguma outra? — Não… Claro que não. E você está pensando em ir este final de semana? — eu continuava enrolando para responder. Se por um lado não queria ir, por outro era difícil recusar. Millie era mi nha amiga há anos. Já havíamos passado por muitas coisas juntos

e ela nunca me deixou na mão. Quando meu pai faleceu e minha mãe quis mudar para a Flórida, ela interrompeu as férias em Paris para ficar ao meu lado. Quando sofri um acidente na pista de esqui e quebrei a perna e três costelas, Millie cuidou de mim com muita paciência, aguentando toda a minha rabugke e reclamações. Não tinha jeito: eu teria que ir a Cincinatti. Olhei para a tele visão e vi Isabelle Adjani nua, bem na minha frente. — Se puder ir comigo no final de semana… Adam? "Sinto muito, Isabelle, nosso encontro vai ter de esperar", pensei, suspirando. — Adam… Você está bem? Está demorando pra Tesponder… — Desculpe, Isabell— quer dizer, Millie. — respondi gague jando, envergonhado pelos pensamentos promíscuos sobre Marguerite de Valois. Tentando me redimir, acrescentei, cheio de gentileza: — Por que não vamos amanhã? Se você estiver livre, a gente ganha um dia. — É… Eu vou estar livre, sim. O Dr. Faingold deu uma sema na de folga pra gente. Olha, eu não quero atrapalhar sua vida… — Pára com isso, Millie. Passo aí amanhã de manhã, OK? — Sabia que podia contar com você, Adam. Obrigada. — Deixe pra me agradecer depois que tivermos vendido as raridades da tia Albertine. — respondi, encabulado. Quando desliguei para voltar aos braços da minha doce Mar guerite, o filme tinha acabado e em seu lugar havia um homem, que mais parecia um boneco de massa, fazendo propaganda de um equipamento de ginástica. "Blue Trees…", pensei, desanima do. "Pelo menos o nome é bonito." Acabei me conformando com a ideia de viajar, apesar de ter certeza que todo o estresse não renderia mais do que dois po tes antigos e uma saladeira quebrada. Pelo menos ia desfrutar da companhia de uma grande amiga, que era sempre um bom papo e sabia absolutamente tudo sobre a vida de quem quer que fosse. Com certeza, minha Millie era muito melhor que a CNN. Ri da comparação. Estava sendo injusto. Millie Peterson era uma linda jovem de 28 anos, inteligente e sagaz, com um mara vilhoso senso de humor e reluzentes olhos castanhos que con trastavam perfeitamente com seus cabelos claros. Além disso, era uma brilhante doutora em física avançada, o que quer que isso queira dizer, e fazia parte de um seleto e importante grupo de pesquisadores no maior laboratório do género no pais. Fosse eu um sujeito sem princípios, já teria tentado alguma coisa com ela. Mas não era. Apesar de as mulheres terem um fra co por mim, ainda não tinha conhecido nenhuma que realmente me interessasse por mais de algumas semanas. No começo tudo era uma maravilha, mas depois, ou elas falavam demais ou de menos, eram muito baixas ou muito altas… Enfim, o namoro não vingava. Por conta dessa minha falta de sorte no amor fiquei com fama de conquistador e mulherengo. A última moça com quem saí, uma sofisticada advogada de Nova York, no início de nosso curto relacionamento deixou bem claro que não queria compromisso. De repente, duas semanas depois já começou a falar em casa, filho e cachorro. Chegou in clusive a me dizer, com olhos cheios de lágrimas: — Você não presta, Adam Schuster! Mas eu conheço bem gente da sua laia! Sempre acabam se apaixonando por uma pis toleira qualquer e viram o mundo do avesso por ela! Um dia — escreva minhas palavras — um dia você vai conhecer alguém que te fará morrer de tanto sofrimento! Canalha! E saiu, batendo a porta. Mulheres. Quem consegue enten dê-las? Eu não tinha feito

nada. Só disse que não daria certo, ]a que eu não estava pronto para compromissos duradouros. E não estava mesmo. "Será que nunca estarei?", cheguei a pensar muitas vezes na época. É que eu ainda não tinha conhecido Violet Saint James nem visto os seus olhos, que mais pareciam duas ametistas, e seus cabelos, que brilhavam como trigo maduro ao sol da primavera. Violet, a mulher que, mesmo depois de morta, me faria escravo de sua beleza. Mas isso aconteceu depois. Naquele dia, depois da conversa com Millie, eu só conseguia pensar na louça quebrada que traria da casa de tia Albertine. Sentado em seu laboratório, o velho olhava maravilhado para o papel à sua frente. Ele tinha conseguido! Conferiu novamen te os cálculos e as equações para ter certeza de que nada havia escapado. Estava tudo ali: limpo, claro, perfeito. Ao menos em teoria. Emocionado, ligou o gerador e se preparou para fazer o teste final. Ajustou os computadores com cuidado, programando as co ordenadas e a data. Fez algumas anotações numa folha e colo cou o papel no centro de uma área cercada por espessas paredes de plexiglass. Fechou a última porta, voltou para o computador principal, adonou a máquina e esperou. Nada. Conferiu novamente os da dos, as coordenadas, a data. O que estaria errado? Voltou para suas anotações e fez uma pequena modificação num dos cálcu los. Repetiu todos os procedimentos e aguardou. Dessa vez, um fraco raio azul se formou no centro da área de teste. Mas o papel continuava lá. Frustrado, o Dr. Simon Faingold voltou aos cálculos. Não era possível — ele tinha certeza de que tudo estava correto. Era uma pena Millie Peterson não estar ali para ajudá-lo. Pensou em cha má-la, mas já era muito tarde. E depois, ele se lembrou de que havia dado folga para toda a equipe. Eles precisavam muito de um descanso. Pegou um café que já estava na térmica há horas e voltou às equações. Onde estaria o problema? Então ele viu. Um peque no lapso, um erro decorrente do cansaço. Corrigiu tudo outra vez, preparou novamente o equipamento e ligou o computador principal. Agora, um intenso facho de luz azul incidiu sobre o papel. Surgiram algumas faíscas e uma névoa se formou atrás dos vi dros de proteção. Ele colocou a mão no boíso com o coração aos pulos. Tremendo, tirou o conteúdo de dentro e desdobrou o papel onde leu as palavras que escreveu horas antes: "Deus não joga dados". Sem saber se ria, chorava ou gritava, Simon Faingold foi dominado pela emoção. Uma vida inteira de trabalho. Horas e horas de cansativas e infrutíferas pesquisas, e finalmente con seguiu. Era a descoberta do século. Não, do milénio! A maior depois da invenção da roda! Envolvido que estava pelo trabalho, o cientista se esqueceu completamente do remédio para o coração. Sentiu uma dor lanci nante no peito e caiu no chão ofegante. Um suor frio como a mor te brotou em seu rosto e respirar se tornava cada vez mais difícil. Será possível que ele ia ter um ataque cardíaco justo agora? Arrastou-se como pôde até sua escrivaninha, tentou abrir a gaveta de cima, mas não conseguiu. Caiu novamente no chão branco do laboratório, agora de costas, onde só seria encontrado na segunda-feira pela manhã, já sem vida, quando sua equipe chegasse para trabalhar. Capítulo III Nada me faria mais feliz às 7 da manhã daquela sexta-feira do que estar confortavelmente enrolado em meus lençóis, sonhando com alguma praia paradisíaca onde eu era tratado como rei por divas sempre prontas para realizar todos os meus desejos. Só que, em vez disso, eu estava parando meu carro em frente à casa de Millie, que, como toda

boa cientista, sempre se atrasava para tudo. "Aposto que ela ain da está dormindo", pensei, tocando a campainha. Para minha surpresa, ela apareceu sorridente, carregando duas sacolas de couro e me jogando um beijo estalado. Ao vê-la me perguntei por que eu não tinha um amigo decente para lhe apresentar. Millie bem que merecia. Mas todos os meus amigos eram casados ou insuportavelmente chatos: preferiam uma mol dura velha a uma bela mulher. — Bom dia! Tome, pegue as malas. — disse ela, atirando as sacolas em mim enquanto fechava a porta. — Acho que a via gem vai ser órima. Já viu como o tempo está bom? Realmente, o dia prometia. Céu azul, nem frio nem calor. Perfeito para um passeio ou piquenique. Mas nós íamos a Cincinatti! — É, muito bom mesmo. — respondi, beijando seu rosto. — Você está melhor? — Millie me examinou dos pés à cabeça. — Te achei estranho no telefone. — Estou ótimo! — respondi, lembrando de Isabelle Adjani passeando na TV. — Você precisa arrumar uma mulher e casar, Adam. Se pensa que vai ser um gato pra sempre, esqueça. Logo, a barriga come ça a aparecer, os cabelos caem e aí… Pode desistir de encontrar alguém decente. — Fico muito feliz com suas animadoras previsões pro meu futuro. — Não seja bobo. Eu me preocupo com o seu futuro. Talvez você não fique careca, mas a barriga… — e deu uma gostosa gar galhada, anulando totalmente a seriedade do que havia dito. Como sempre acontecia quando Millie e eu nos encontrá vamos, ela me colocou a par de todas as fofocas sobre nossos conhecidos em comum, e eu mais uma vez me perguntei como uma cientista ocupada como ela rinha tempo para saber de tudo aquilo. Ah, mulheres… Um mistério mesmo. Tagarelando tranquila, enquanto os quilómetros passavam rapidamente sob os pneus, Millie parecia uma garotinha. E eu me deixei levar pelo tom suave de sua voz. Se algum dia Deus me perguntasse como eu gostaria que minha irmã fosse — caso tivesse uma, é claro — eu responderia sem pestanejar: igualzinha a Millie Peterson. — Em que pesquisa está trabalhando agora? — perguntei quando o estoque de fofocas acabou. — Bem, fui convidada há oito meses pra fazer parte da equi pe do Dr. Simon Faingold, um físico respeitadíssimo. Só os me lhores de cada área trabalham com ele. Eu, que nunca tinha ouvido falar no tal doutor, acreditei piamente. — Estamos trabalhando num projeto muito importante sobre teleporte. — Sobre o quê? — perguntei, em minha santa ignorância. Sempre fui péssimo aluno de física. O máximo que consegui foi decorar que o movimento da Terra em torno do sol chama-se rotação. Ou seria translação? — Teleporte — ela repetiu, como se eu tivesse obrigação de saber aquilo. — Nunca assistiu Jornada nas Estreias? — pergun tou, incrédula. — Aquele seriado de TV? Já, mas… Aquilo era pura ficção. Você não está querendo dizer que… — Mais ou menos. Na verdade, sim. E não. Entendeu? — Perfeitamente. — respondi, rindo. — Vou tentar explicar: o Dr. Faingold desenvolveu uma teoria revolucionária sobre deslocamento de corpos no tempo/espaço com base na física quântica. Se funcionar, poderemos transpor tar, ou teleportar, objetos a curtas distâncias e a períodos de tem po diferentes, desde que também sejam curtos. Alguns metros e alguns segundos. Entendeu? — Mais ou menos. Por acaso você não está falando sobre uma máquina do tempo,

está? últil.

— Não exatamente… Mas acho que, para um leigo como você, essa imagem pode ser

— Mas isso… Isso é simplesmente fantástico! — respondi todo entusiasmado, já imaginando que poderia voltar no tempo e perguntar aos falecidos parentes de meus clientes onde eles haviam guardado determinadas peças. — Claro que é fantástico, mas a coisa é extremamente com plexa. Já estamos em fase de elaboração do equipamento, só que ainda faltam detalhes cruciais pra que a teoria se transforme em realidade. O doutor Faingold acha que estamos quase lá, mas eu tenho minhas dúvidas. — Ah, é? Que pena… — respondi, desanimado, dando adeus às minhas fantasias de encontrar objetos perdidos. — E você? Algum caso escabroso entre criado-mudos e casti çais do século passado? Contei a ela sobre os últimos trabalhos e viagens que fiz, dizendo que sim, havia alguns casos que, se não eram escabrosos, pelo menos arrancaram dela boas risadas — como o que aconteceu em New Haven, onde uma família descobriu que a bondosa vovó Emma tinha dado todas as suas jóias para um amante 50 anos mais novo; ou então o de Boston, em que um comendador perdeu tudo o que tinha nas corridas de cavalo e deixou seus herdeiros a ver navios. Quando as novidades acabaram e já estávamos ro dando há muitas horas, Millie me perguntou em tom sério: — Você não sente falta de alguém, Adam? Quero dizer, uma companheira… Alguém para amar e ser amado, sem complicações? — Amar sem complicações? E isso existe, Millie? — devolvi-lhe a pergunta, também sério. — Não sei… Imagino que sim. Tem tantas pessoas casadas no mundo… — É, mas também tem tantas pessoas se divorciando… — Tá, tudo bem… Mas você não sente falta de amar? — Claro que sinto. — respondi, pensando em Isabelle Adjani e minhas tolas fantasias televisivas. — O problema é que sou um sujeito difícil de agradar. — Pois é, — respondeu ela com um suspiro — eu também. — Sabe, Millie… Às vezes, acho que a mulher que eu quero pra mim não nasceu ainda. Alguém que faça meu coração dis parar, minhas pernas tremerem… que seja linda, inteligente e corajosa, que não tenha medo de desafiar convenções… que me veja como homem, não como um marido em potencial. Alguém pra quem eu seja mais do que uma companhia em compromis sos familiares, embora isso também faça parte, acho eu. Não sei se consegue entender… — Entendo, sim. Você quer um amor que toque a sua alma, não apenas o corpo. — ela respondeu com simplicidade. Millie sempre me surpreendia por sua capacidade de ir ao âmago das questões com a destreza de um cirurgião. — É isso! — comentei, já totalmente esquecido de Isabelltí Adjarà. — Bem, vai ver esse tipo de amor não existe. Ou, pelo menos, não neste mundo. — O que toma meu caso, e talvez o seu, sem solução. Que tal a gente parar pra um café? — perguntei, pensando na doce sensação de esticar as pernas e caminhar um pouco. — Pode ser. Preciso ir ao banheiro mesmo. — ela respon deu e eu entrei no primeiro posto de gasolina que vi. Em meu corpo também havia uma indesejável quantia de líquido pedindo para sair. Chegamos a Bluc Trees no começo da noite, mas não sem antes parar em Cincinatti para comprar comida, por recomen dação de Millie:

— Melhor nos abastecermos por aqui. Não faço ideia de como é a cidade da minha tia, mas, pelo que soube, se tiver um mercadinho por lá já será lucro. Millie exagerou. Blue Trees era uma próspera cidade de 5 mil habitantes, com um bar, um supermercado, dois restauran tes — um dos quais muito bom, por sinal — e uma farmácia. Havia também um posto de gasolina, uma oficina mecânica e um hos pital, além da delegacia. A casa de tia Albertine ficava em uma pacata rua — o que não era nenhuma surpresa, já que tudo ali era pacato — ladeada por árvores imensas, cujas folhas tinham um brilho azulado. A construção já tinha visto melhores dias, mas ainda assim era uma bela residência, com um jardim florido e um gramado que precisava de cuidados. Pintada de verde escuro, tinha janelas brancas e uma porta lindíssima, que com certeza devia valer um bom dinheiro. Como não havia hotéis na cidade, o jeito era passar a noite ali mesmo. Eu esperava com todas as minhas foTças que tia Alberti ne tivesse instalado um bom chuveiro quente e que as camas es tivessem em condições de receber meu pobre corpo, totalmente exausto após tantos quilômetros de estrada. Grata surpresa: encontrei não só um belo e bem equipado ba nheiro, como também camas confortáveis e um ambiente muito acolhedor. Como se não bastasse, a TV pegava bem e o telefone funcionava! — Quem pagou as contas daqui? — perguntei, quando to quei no interruptor e as luzes acenderam, revelando uma sala deliciosa, cheia de almofadas e enfeites. — Eu. Não queria chegar e tomar banho gelado. — respon deu Millie, entrando e jogando as sacolas no sofá. — Venha, va mos escolher nossos quartos. Uma das coisas que eu mais detestava em casas fechadas era o cheiro que guardavam de seus antigos moradores. Isso sem pre me dava uma sensação estranha, como se estivesse entrando num lugar onde não era chamado. Mas ali não era assim. Havia um aroma de lavanda no ar, como se tudo tivesse acabado de ser limpo. Falei com Millie e ela explicou: Pedi que a faxineira da minha tia limpasse tudo. Não suporto cheiro de mofo. Não entendi como ela achou a tal faxineira, mas também não estiquei o assunto. Naquele momento, eu só queria tomar um banho e apagar. Depois de um banho relaxante, fui para o quarto escolhido e me deitei realizado. Como sempre fazia antes de dormir, aper tei a medalhinha com a flor-de-lis que trazia no pescoço desde criança, a mesma que tinha me rendido castigo de uma semana quando eu era garoto. Um dia, meus pais me viram com a medalhinha e pergunta ram onde eu a tinha conseguido. Respondi que não fazia ideia. Eles não acreditaram, me deixaram de castigo e saíram pergun tando a todos os meus amigos, inimigos, conhecidos e profes-sores se sabiam de quem era aquilo. Até Elizabeth Monroe, a menina mais popular da escola e a deusa que inspirava minha imaginação aos 7 anos, foi interrogada. Como o dono não se manifestou, apesar de todo o alaTde que fizeram, eles me deixaram ficar com ela. Daquele dia em diante, não dormi uma única noite sem antes segurá-la com força. A medalhinha tornou-se uma espécie de amuleto, sempre me dando esperança de dias melhores, me animando a prosse guir, mesmo nas horas de maior dificuldade. Mal sabia eu que ela não tinha nada a ver com amuleto: na verdade, aquela flor-de-lis era uma mensagem, um lembrete. E eu também não fazia ideia de que, a partir do dia seguinte, minha vida jamais seria como antes. Acordei muitas horas depois com Millie me sacudindo, avi sando que o café estava

pronto. Nada neste mundo se compara a um delicioso café da ma nhã, mas as ideias que eu e minha amiga tínhamos sobre refei ção saudável eram muito diferentes. Embora reconheça, enver gonhado, que ovos, bacon e panquecas com manteiga não são lá os alimentos mais saudáveis, para mini essa é a ideia de uma boa refeição matinal. Meio a contragosto, comi mingau de aveia e torradas, e tomei café — que pelo menos não era descafeinado — acompanhado de um pedaço de torta de maçã integral. Aliás, verdade seja dita, até que a torta estava saborosa. Ainda não tínhamos terminado de comer quando uma mu lher baixinha, gordinha e de voz estridente invadiu a casa: — Senhorita Peterson? Senhorita Peterson? — Na cozinha. — gritou Millie de volta, informando-me aos cochichos que aquela era a senhora Thumbnail, a faxineira, e ia ficar conosco durante o final de semana para cuidar da casa e preparar as refeições; assim estaríamos livres para trabalhar. A mulher, cujos cabelos pareciam chamas de uma fogueira, parou e me encarou com ar de visível reprovação. Talvez tenha imaginado que eu e Millie éramos amantes, ou apenas se assus tou com meus jeans rasgados e camiseta velha, uniforme que sempre usei para explorar porões e sótãos. A medida que Millie foi explicando quem eu era, vi que as esperanças da mulher em me usar como ponto central de suas fofocas em Blue Trees se esvaíram. Ela me olhou com evidente desinteresse e subiu até os quartos para fazer a arrumação. — Por onde começamos? — perguntou Millie, toda animada. — Pelo porão. E sempre lá que estão as melhores peças. — respondi, preparando o espírito para uma manhã cheia de poeira e teias de aranha. Para meu espanto e castigo pelo prejulgamento, o porão da quela casa era tão limpo e organizado quanto qualquer centro cirúrgico de hospital. Em um canto, ferramentas e materiais de construção. Em outro, roupas e sapatos usados. No terceiro, vá-nas caixas com louças, copos e talheres, que me pareceram sem qualquer valor; e no último canto, uma porta trancada. — Tem as chaves dali? — perguntei, curioso, torcendo para Rue a resposta fosse afirmativa, e Millie balançou um chaveiro diante do meu nariz, com os olhos brilhando de curiosidade. O que haveria atrás daquela porta? Algum segredo escabroso? Será que tia Albertine fazia parte de um culto satânico e as reu niões aconteciam ali, no porão? Para nossa desilusão, a porta dava para uma saleta cheia de malas e baús antigos. Num dos cantos, havia um objeto retangular encostado à parede, embrulhado por um cobertor e amar rado com tiras de couro. Se nada mais houvesse de valor no restante da casa, só o que encontramos ali já seria suficiente para Millie passar o resto da vida passeando, enquanto seus milhares de dólares se multiplicavam em aplicações bancárias. Fratarias, cristais, livros, louças inglesas do século XVIII e até um jogo completo de porcelana Limoges esta vam trancafiados naquele cubículo há mais de um século. — Essas tranqueiras têm algum valor? — perguntou minha amiga, para quem só números e fórmulas eram realmente valiosos. — Bem, ainda preciso confirmar, mas eu arriscaria dizer que você tem aqui mais de meio milhão em objetos antigos. Só este faqueiro — e mostrei a caixa de madeira de lei toda trabalhada — deve valer uns 70 mil dólares.

— Não acredito! Tudo isso?! — Pois é. E aquilo ali, o que será? — apontei para o objeto embrulhado. — Parece um quadro. Quem sabe sua tia não tinha aqui um Renoir ou um Van Gogh? Levamos o volume para fora, desamarramos as tiras de cou ro e o retiramos do cobertor. Diante de nossos olhos surgiu uma pintura de proporções generosas, mostrando uma paisagem campestre, provavelmente do interior da Inglaterra. Sem dúvi da, uma obra de qualidade. Meus olhos quase saltaram das órbitas quando vi a assina tura: John Constable! Eu mal podia acreditar. Olhei para Millie como se tivesse visto um fantasma e ela se assustou: — Que foi, Adam? Está passando mal? — Millie… este quadro vale uma fortuna! — Nossa, que susto! Achei que você estava tendo uma coisa. Mas, olhe aqui… Parece que tem outro quadro atrás deste. Ainda meio zonzo pela descoberta, percebi que realmente havia uma outra pintura atrás daquela. Intrigado, comecei a re mover a paisagem de Constable com toda a delicadeza, colocan do a tela sobre uma das caixas. Então, na minha frente, com uma incrível beleza e sensua lidade, vestida em azul vivo, surgiu a imagem de uma mulher cujos olhos cor-de-violeta pareciam penetrar diretamente nos meus: Violet! Seus cabelos eram presos por uma tiara de pérolas, e os cachos loiros, sedosos, lindos caíam delicadamente sobre os ombros descobertos. No rosto encantador, um sorriso mais enigmático que o de Mona Lisa. Enfeitando o elegante pescoço, havia um colar de diamantes. Combinando com ele, delicados brincos pendiam de suas orelhas compondo um conjunto de valor inestimável, mas, ainda assim, ofuscado pela beleza da mulher. O quadro me embriagou os sentidos de tal forma que senti a cabeça girar e meu coração se descompassou. Quase perdi o fôlego. Quem era aquela criatura, meu Deus? Sem conseguir desviar meus olhos dos olhos dela, sentindo aquela imensidão lilás me envolver, eu me esqueci de Millie, da tia Albertine e do que estava fazendo ali. Fui capturado, hipno tizado e escravizado por uma deusa do século XIX! — Adam! O que está acontecendo com você?! ADAM! — Millie me sacudiu com força, rompendo os laços que me uniam a musa do quadro. — E-Eu… Eu estou Apenas… admirando a pintura. Quem é ela, você sabe? — Claro que não. Nem fazia idéia de que minha tia guardava 'odas estas coisas trancadas aqui. Virei a pintura e li as anotações que o artista havia deixado para a posteridade: Violet Saint James, 1858, Deep Bíue Fox, Ingla terra. Que diabo seria Deep Blue Fox? Uma cidade, uma proprie dade, o nome do ateliê ou simplesmente uma anotação que não queria dizer nada? Olhei de novo para a mulher de azul e conclui que Violet era o nome perfeito para ela. Violet: a cor de seus olhos! Violet, cuja boca rosada eu não conseguia parar de olhar… e cujo decote me convidava a mergulhar os dedos pelo vão dos seios que a pintu ra apenas insinuava. Linda, perfeita, provocante. Senti a estranheza de Millie e procurei disfarçar as emoções. Recoloquei a pintura de John Constabie sobre a tela, tirando da frente a visão da mulher perfeita para conseguir recuperar o controle dos pensamentos. — Bom, Millie, — disse eu com voz profissional — vai ser impossível levar tudo isso no carro. Vou pedir, com sua autori zação, que alguém venha com transporte apropriado segunda-feira e leve tudo pra Nova York. Assim terei tempo de avaliar e catalogar as peças com calma, e também de te fazer uma oferta de venda. Se concordar, eu compro o espólio.

Caso contrário, colocamos tudo em leilão. — O que é melhor? — perguntou ela, com os olhos castanhos pregados em mim e com um tom de voz tão normal que parecia estarmos discutindo o preço da batata no supermercado. Fosse eu um mau-caráter, teria convencido minha linda cien tista a vender tudo e deixar que eu me preocupasse com os riscos de levar os lotes a leilão. Mas eu era honesto. E ainda sou. Não sei se feliz ou infelizmente, aprendi com meu pai e sua próspera fábrica de cabides de plástico a ser correto nos negócios. — Vamos a leilão. Suas peças vão causar furor no mercado de antiguidades e esse quadro — indiquei a paisagem — vai deixar você milionária. — Ele vale tanto assim? Quero dizer, é muito bonito e tudo, mas não consigo imaginar alguém pagando muito dinheiro por uma paisagem. — Vão pagar, querida. Confie em mim. — E você ganha o quê? Afinal, o trabalho é todo seu. Expliquei a ela como funcionava o negócio e chegamos a uma cifra interessante para nós dois. — A única coisa que eu peço é que você me venda o outro quadro. — comentei meio sem jeito. — O da tal Violet? Eu vi como você olhou pra ela. Mulher bonita, não? Bonita? Ela era a perfeição em forma de gente, uma visão do paraíso. — Muito bonita mesmo. — concordei. — Cíaro que não vou te vender o quadro Adam. Ele é seu! Pra que eu ia querer uma mulher na minha sala de visitas? — Mas deve valer um bom dinheiro… — Já disse que é seu. Um presente por sua boa vontade de ter me acompanhado até aqui. Além disso, já vou ganhar bastante com as outras peças, não vou? Sem dúvida. Com a ajuda de t/'llie, embrulhamos a pintu ra de John Constabie. O quadro de Violet, entretanto, eu quis levar para o quarto. Precisava admirá-la mais, explorá-la mais, descobrir mais nuances naquele rosto e corpo maravilhosos. Le vei também todos os papéis, cartas e documentos que encontrei para estudá-los à noite. Quem sabe neles eu encontraria a história daquela mulher misteriosa com olhos cor de ametista? O resto dos pertences da tia Albertine não valia grande coisa e minha amiga decidiu que, tirando algumas peças que tí-n*ta gostado, ela doaria tudo, o que muito alegrou a senhora thumbnails. Aliás, verdade seja dita: a mulher era horrível, tinha voz de gralba, mas cozinhava como ninguém. Para desalento de Millie, que estava em sua fase vegetariana, o almoço consistiu de suculentos filés, vagens e batatas, tudo acompanhado com suco de frutas e uma belíssima torta de pês segos para sobremesa. Diante do sedutor aroma da refeição, Millie deixou de lado todas as convicções sobre alimentar-se apenas de alface e atacou os bifes com uma volúpia espantosa. Passamos o resto do dia examinando os pertences pessoais de tia Albertine e encaixotando o que iria para caridade. Minha vontade era correr para o quarto, ler todos os papéis e sentar , na cama, com a imagem de Violet na minha frente, envolvendo minha alma, seduzindo meu coração. "Devo ter enlouquecido", pensei, ao perceber minha ansie dade para ficar sozinho com aquela pintura velha. "Desse jei to, logo vou me ver babando em algum hospício no interior do país". Mas, mesmo correndo o risco de parecer louco, eu queria estar com o quadro mais do que tudo na vida. — O que sabe sobre a história de sua família? — perguntei a Millie, depois do jantar,

enquanto misturava as cartas do ba ralho encontrado numa gaveta da tia Albertine. Será que a ve lhinha era uma jogadora compulsiva, que passava madrugadas ao lado de homens fumando charuto e perdendo fortunas no carteado? — Sei muito pouca coisa. — respondeu minha amiga. — Nunca fui ligada a tradições de família, mas sei que a avó do meu pai veio da Inglaterra em mil oitocentos e qualquer coisa e acabou se estabelecendo em Cinrinatti. Ela se meteu num ramo de negócios muito lucrativo na época: a prostituição. Arregalei os olhos e me abstive de comentar que esse ramo continuava lucrativo até hoje. — Não me diga! — Pois é. Depois as coisas mudaram, é claro, mas parece que ela se deu muito bem. Ficou rica e tudo mais. Em casa devo ter alguma coisa sobre minha bisavó, se quiser ver. — Eu adoraria — respondi, imaginando a mulher de corpete e cintaliga, dançando para soldados e vaqueiros. É lógico que isso não correspondia à realidade, mas quem podia me culpar pelo excesso de imaginação? Quando enfim nos recolhemos, caminhei até o quarto decidi do a esquecer toda aquela bobagem sobre Violet, e jurei que não olharia mais para aquele quadro. Juramento que, obviamente, não consegui cumprir. Assim que entrei e fechei a porta, ele es tava ali, como um farol na escuridão, como a primeira flor da primavera, ocupando todo o universo da minha alma. Caminhei lentamente em sua direção, sentindo meu pulso mais rápido a cada passo. Como se ofuscado por uma beleza além da compreensão humana, parei diante da mulher, que me olhava com um misto de paixão e doçura, e deixei a imaginação tomar conta. Nós caminhávamos pelos campos ingleses do século XIX, apaixonados. Eu a tomava nos braços e beijava com uma inten sidade que só os verdadeiros amantes conhecem. Ou então, es távamos sentados em um elefante salão, ouvindo alguém tocar melodias clássicas, quando eu a tomava nos braços e a beijava com total sofreguidão. Em outra versão, estávamos em trajes de montaria, cavalgan do. Eu podia ver seu rosto corado e os olhos brilhantes me de sfiando. Nós parávamos, eu a tomava nos braços e me derretia em seus lábios delicados. Concordo que não havia muita criati vidade nessas cenas, mas o importante era tomá-la nos braços e beijá-la apaixonado. Joguei-me na cama, peguei a papelada antiga recolhida no porão e comecei a ler, controlando minha vontade para não olhar Violet a cada segundo e me perder no desejo de agarrá-la. Quando finalmente adormeci, sonhei com ela. Beijei e acariciei cada centímetro de sua forma delicada, sentindo sua pele colada à minha, seus seios em minhas mãos, sua boca percorrendo o meu corpo. Acordei de repente, segurando a medalhinha da minha in fância, e reparei que tinha dormido de roupa e tudo. Levantei o rosto e dei de cara com o quadro, Violet me olhando como se estivesse ali. Mas então reparei em algo que tinha me passado desapercebido: Violet tinha um anel no dedo mínimo. Cheguei bem perto e pude ver uma flor-de-lis esculpida nele, idêntica a da minha medalha. Perturbado, corri os dedos sobre seu rosto rosado, seu pescoço, seus seios. — Quem é você, Violet Saint James? — perguntei-lhe, e ela, claro, não respondeu. Apenas me observou com seu olhar provo cante, fazendo com que eu a desejasse até a raiz da minha alma. Capítulo IV

Millie não sabia se chorava, gritava ou chamava por so corro. Ela tinha sido a primeira a chegar e, logo que abriu o laboratório, sentiu um cheiro que lhe causou náuseas. "Mas que diabo…?", pensou, imaginando que alguém tinha esquecido carne fora da geladeira há vários dias. Preocupada, foi até a sala de testes e viu o corpo do doutor Faingold caído de bruços. Não teve dúvidas de que ele estava morto. Passado o primeiro choque, ela se perguntou o que o den tista fazia ali, se a equipe inteira tinha sido dispensada por uma semana. Controlando o tremor do corpo, aproximou-se do físico e viu suas anotações e cálculos espalhados pela mesa. Os com putadores continuavam ligados, mostrando exatamente o que o doutor Simon Faingold fazia antes de morrer. Millie quase não acreditou no que estava ali. Ele havia con seguido! Sem saber bem por que, a moça recolheu todas as ano tações, apagou os dados dos computadores e desligou tudo. Só então chamou a segurança e a polida. Talvez por medo de que tudo aquilo caísse em mãos erradas, Millie não comentou nada com ninguém. Ela achou melhor ler tudo com calma e só então decidir o que fazer. Quando a polícia chegou, encontrou-a sentada num canto du laboratório com os olhos cheios de lágrimas e o coração aperta do pela morte do grande dentista justamente no momento de sua maior glória e alegria. Nas horas seguintes, respondeu a intermináveis perguntas, contou e recontou como encontrou o corpo de Simon Faíngold, onde esteve durante o final de semana, o que fez, etc. Conforme seus colegas iam chegando para trabalhar, eram submetidos ao mesmo interrogatório. Por fim, todos foram intimados a comparecer na delegacia e o laboratório foi lacrado até que a perícia terminasse as inves tigações. Nenhum deles sabia quando retomariam ao trabalho ou quem substituiria Simon Faingold como chefe de pesquisas. Sem opção, voltaram para casa, aborrecidos e frustrados. Menos Millie, que planejava desvendar o que o físico tinha descoberto. Sem saber de nada, eu aguardava a chegada de meus funcio nários para transportar os bens da tia Albertine e levar o quadro de Violet para meu apartamento em Nova York. Eu havia terminado de ler todos os papéis antigos, mas não encontrei quase nada capaz de lançar alguma luz sobre a histó ria daquela mulher. Assim que chegasse em casa, eu ia pesqui sar o tal Deep Blue Fox e descobrir do que se tratava. Assim como na noite anterior, voltei a sonhar com Violet. Desta vez, estávamos em pé sobre um platô acima do oceano, olhando o horizonte e deixando o sol quente do verão dourar nossos rostos. O som do mar contra as rochas servia como fundi1 musical para a paixão que nos dominava. Tomei-a nos braços e beijei com força, sentindo seus seios pressionados sobre meu peito. A respiração dela se tornava mais ofegante a cada carícia, a cada contado de nossos lábios. Em meus sonhos, Violet sempre usava o vestido azul do retrato, mas isso pouco importava, porque ela terminava nua em meus braços, o rosto corado de prazer, os olhos brilhando de excitação. Eu sabia que tudo aquilo era mórbido, anormal, loucura, mas não conseguia conter o desejo de tê-la. Queria ouvir o som da sua voz, conhecer seus pensamentos. "Ah, Violet, como pôde fa zer isso comigo?", pensei, sentado na varanda da casa, enquanto tomava o chá gelado que a senhora Thumbnails tinha deixado sobre a mesinha. Mas comecei a ficar preocupado. Aquilo estava ganhando uma importância grande demais dentro de mim. Pensei em co locar o quadro à venda, mas logo desisti: "É um presente da Millie, seu idiota", argumentei. "Mas preciso me livrar dele ou vou acabar louco!" Foi quando uma outra voz interna resolveu o dilema: "Não seja burro, Adam. Você

não quer se livrar de Violet, quer ficar com ela!" Pronto, estava encerrada a discussão comigo mesmo. Uma parte de mim, aquela que sempre fazia questão de esfregar a verdade no meu nariz, venceu. Eu queria Violet, sim. Mais do que tudo! E por isso, resolvi consultar um psiquiatra. Fiquei imaginando o que diria ao médico: — Estou apaixonado por uma mulher inacessível, doutor. — Ora, senhor Schuster, nenhuma mulher é inacessível. — ele diria para me acalmar. — Mas ela está morta. Bom, nós não deixamos de amar as pessoas que se foram. Só que ela morreu no século XIX! E aí… Será que ele ia me encher de calmantes ou me trancaria numa cela acolchoada? Achei melhor deixar o psiquiatra de lado e me controlar. Afinal, eu era um homem adulto, experiente e vacinado. Podia dar conta das minhas próprias maluquices. Ou será que não? Assim que terminamos de carregar o espólio, me despedi da senhora Thumbnails e segui para Nova York com meus fun cionários. Embalado com extremo cuidado, o retrato de Violet Saint James ia comigo para ocupar um lugar de destaque no meu quarto. E nos meus sonhos. As semanas que se seguiram foram muito corridas. Vários objetos da tia Albertine estavam sendo avaliados por peritos e dois outros clientes me procuraram: um em Nova York mesmo outro em Boston. Confesso que tive pouco tempo para me dedicar a Violet e sua história desconhecida, e menos ainda para admirar sua be leza, já que praticamente não parei em casa. Mesmo assim, con tratei alguém para descobrir onde ou o quê era Deep Blue Fox. e também para levantar a genealogia da família Saint James na Inglaterra. Todas as noites, enquanto dormia segurando a medalhinha meus pensamentos eram embalados por aquele par de olhos ametista, cuja dona frequentemente visitava meus sonhos. Quer podia imaginar que, três semanas depois de ter ido a Blue Trefí avaliar os cacarecos de uma velhota maluca, eu estaria totalmente obcecado por alguém que não vivia mais neste mundo? Voltei a Nova York com uma longa lista de coisas a fazer mas fui direto para casa. Entrei correndo, tranquei a porta e me atirei na cama, admirando Violet soberbamente instalada na pa rede. Eu não suportaria trabalhar sem antes ver seu rosto mais uma vez. Confesso que a idéia do psiquiatra voltou a me incomodai mas logo a espantei, pensando na cela acolchoada, cuja porta mais parecia um monstro de boca escancarada pronto para me engolir. — Ah, Violet! Que será de mim sem você? — perguntei à imagem que a cada dia me atormentava mais. Resolvi ficar em casa durante algumas horas, enquanto ad mirava cada detalhe do quadro, procurando encontrar ali pistas que me levassem até sua dona. Mas que tipo de pistas eu poderia achar? A mulher tinha morrido há mais de século. No máximo, e com muita sorte, eu poderia descobrir onde ficava seu túmulo para levar algumas flores. Eu estava enlouquecendo. Com certeza. Enlouquecendo de amor por Violet. — Até que enfim! — exclamou Lisbeth, minha secretária, quando entrei no escritório. — Por onde você andou? Estava superpreocupada! — Precisei passar em casa antes de vir pra cá. Tinha umas coisas urgentes pra fazer. — Minha voz soou tão falsa como uma nota de 30, mas o que eu podia dizer? Que passei em casa para matar as saudades de um retrato? — Chegou uma encomenda de Londres pra você. E um tal senhor Jacobs ligou várias

vezes. Parece que ele já tem a locali zação que você pediu. Meu coração acelerou. Finalmente Violet estaria mais perto! Alguma notícia de Millie Peterson? — perguntei. Nada. Deixei vários recados, mas ela não retomou nenhum. — E as avaliações, já chegaram? Todas as que faltam devem estar aqui pela manhã. Fiz várias ligações para Millie durante o dia e deixei recado em todas. mas não houve retorno. Comecei a me preocupar. Tinha ildo nos jornais sobre a morte do doutor Faingold e achei que minha amiga devia estar muito triste, para dizer o mínimo. Nas horas seguintes, estudei a opinião dos especialistas sobre as peças da Albertine. Só então, fiz o que queria ter feito: li o relatório sobre a genealogia dos Saint James. Fui direto ao que me interessava. Violet entrou para a família Saint James por meio do casa mento… Ela era casada! A noticia me desanimou. Como podia ser casada se nem me conhecia? Era horrível pensar que outro homem havia tocado seu corpo, beijado sua boca, desfrutado de seus carinhos. Violet era só minha! Segundo o relatório, ela ficou viúva dois anos após o casamen to e assim permaneceu até a morte. Meu Deus, como ela morreu jovem! Será que foi de desgosto: amava tanto o marido que não conseguiu viver sem ele? O ciúme ardia dentro de mim. O pesquisador que contratei, um dos melhores do mundo nesse tipo de assunto, dizia que Violet morreu quando caiu de um penhasco, em 22 de julho de 1860. Lembrei então que, num dos meus sonhos, eu estava com ela num penhasco acima do mar. Seria só coincidência ou aquilo fazia parte da loucura que eu estava vivendo? Logo depois de sua morte, outra Saint James — Camille, irmã de Stewart, meu rival — partiu para a América e ninguém mais teve notícias dela. O pai, lorde Edward Saint James, morreu dois anos depois da filha, vítima de uma doença desconhecida. As informações terminavam ali. Mas, e o patrimônio da fa mília? Ficou para quem? E a filha que veio para a América, por que nunca voltou? Estava faltando muita coisa. E quanta triste za! Morreu Stewart, morreu Violet, morreu o pai, a filha sumiu… o que aconteceu com os Saint James? Estava tentando entender tudo aquilo quando o telefone to cou e Lisbeth anunciou, com sua voz de aeroporto: — O senhor Jacobs na dois. Atendi animado: mais notícias! Ouvi atentamente o que ele tinha a dizer. Então Deep Blue Fox existia, afinal! Era uma propriedade ao norte da Inglaterra, atualmente em posse do duque e da duquesa de Whitecross, aberta à visitação pública. A propriedade ficou fechada durante anos, após a morte de sua dona, Violet Saint James, e acabou integrando o património da coroa britânica, até ser comprada pelo duque George Wellington Whitecross. A casa de Violet! Deep Blue Fox era a casa dela! O retrato foi pintado em 1858 e, segundo o pesquisador de Londres, minha amada tinha morrido em 1860, com 25 anos. Já era viúva quando o quadro foi feito, mas não vestia negro e nem parecia enlutada. Isso deve ter sido uma afronta na época! Ou será que Violet não dava a mínima para as convenções sociais? Ou, pior ainda, será que ela era alguma espécie de Messalina da Inglaterra, em plena época vitoriana? Deep Blue Fox… Olhei a localização exata da propriedade e chequei meu passaporte. Assim que tudo estivesse acertado com Millie, eu tiraria uns dias de férias no norte da Inglaterra. Depois de mais de meia hora tocando a campainha, Millie finalmente abriu a porta. Tinha os cabelos presos no alto da cabeça por uma caneta esferográfica e usava uma roupa

que, com certeza, deveria ter sido doada junto com as coisas da tia Albertine. Seus olhos estavam cercados por olheiras e o rosto perdera a cor saudável de sempre. — Millie… Que aconteceu? Você está doente? — perguntei preocupado, enquanto ia entrando mesmo sem ser convidado. — Não… Só andei meio ocupada nas últimas semanas. — respondeu com ar de quem não queria que eu estivesse ali. — Você não precisa mentir pra mim. — disse eu, sentando no sofá. Eu te conheço muito bem, menina. Vamos, desembuche. O que aconteceu? — Nada, eu… só estou abatida pela morte do Dr. Simon Faingold. Só isso. Millie estava mentindo e eu não ia sair dali até saber a verdade. — Bom, eu não estou com pressa. Posso ficar aqui a noite toda, ou a semana inteira, até você resolver se abrir comigo. — e me estiquei no sofá. Ela me olhou séria: — Você sabe guardar segredos, Adam? Porque eu só te conte se você me jurar que nunca, sob hipótese alguma, mesmo sob tortura, vai falar sobre isso com alguém. — Uau! É tão sério assim? — fiquei preocupado. Em que mi nha amiga tinha se metido? Máfia? Narcotráfico? Seita secreta? Ela fez que sim com a cabeça. — Então, eu juro. Mas antes, tome um banho, troque de rou pa e vamos jantar. Depois você me conta o que quiser. Quando saí da casa dela, quatro horas depois, uma ideia co meçou a se formar na minha cabeça. Alguma coisa ténue, como um pequeno rastro de fumaça, como um fraco raio de sol apare cendo entre as nuvens. Se o que eu tinha ouvido fosse realmente verdade, talvez, apenas talvez, eu pudesse ter uma chance de encontrar Violei, salvá-la da morte prematura e ainda viver com ela o resto dos meus dias! Quatro semanas depois, embarquei para a Inglaterra. O lei lão do espólio da tia Albertine tinha sido um sucesso completo. Todos os jornais do planeta noticiaram a venda dos objetos e colecionadores dos quatro cantos do mundo disputaram acu radamente cada lote, cada prato, cada colher. O quadro de John Constable, entretanto, superou minhas melhores expectativas, alcançando um valor altíssimo. Quando parti para minha viagem de férias, estava algumas centenas de milhares de dólares mais rico e Millie tinha vários milhões no banco. Nenhum de nós dois precisava de dinheiro, mas quem entende a sorte? É ela quem escolhe a porta em que vai bater, não nós. Durante as duas semanas que passei na Europa, pesquisei tudo o que pude sobre Violet, mas não consegui acrescentar nada ao que já sabia. Passear pelo local onde ela viveu, pisar o mesmo chão que ela só aumentou meu desespero e minha vontade de estar ao seu lado. Não localizei seu túmulo, mas en contrei o jazigo da família Saint James. Depositei algumas flores nele e rezei por um milagre. O que mais me surpreendeu, entretanto, foi ver as mesmas paisagens e lugares que tinha visto em meus sonhos, como se a vontade de estar com Violet fosse tão poderosa a ponto de me transportar de volta no tempo. Durante a noite, além de conversar com ela, eu a acariciava e a possuía na imaginação. Durante o dia, buscava uma maneira de me aproximar dela, quase certo de que havia enlouquecido e que cedo ou tarde seria engolido pela boca da cela acolchoada. Cheguei à Nova York mais perdido do que estava antes de partir. A diferença agora é que a ténue ideia que tive ao sair da casa de Millie havia se transformado num plano sólido, com contornos muito bem definidos. Eu não podia mais continuar daquele jeito, vivendo na ima ginação, tomado pela angústia de saber que só poderia ter Violet em meus sonhos. O que tinha a perder, afinal?

Se a idéia não desse certo, pior do que estava eu não poderia ficar. Mas, se funcionasse… Ah, se funcionasse! Capítulo V — Ainda essa história do retrato, Adam? — Millie só olhava para mim, incrédula. — Há meses você está assim… só fala dessa mulher, só consegue pensar nela… — Millie… você tem que me entender. Pode parecer absurdo, mas eu não consigo mais viver sem ela! Eu amo Violet Saint Ja mes como nunca amei ninguém na vida! — Tá. Olhe… eu concordo que nós dois nunca fomos muito bons da cabeça, mas não acha isso um pouco de exagero, não? Até mesmo pra você? — Por favor, Millie… Eu não tenho mais a quem recorrer! — Implorei. — Eu não sei como te ajudar, Adam! Você precisa de trata mento médico! A porta da cela acolchoada voltou a surgir na minha cabeça. — Meu Deus, procure entender… Eu preciso fazer alguma coisa! Senão, vou acabar dando um tiro na cabeça! Quando es tamos juntos em meus sonhos, tudo é real demais! Ela está me esperando! Eu sei que está! — Adam, o único lugar em que Violet pode estar te esperando é numa sessão espírita! A mulher morreu há quase 150 anos! Você perdeu a noção da realidade! — Eu perdi? Sei. Então me diga quem de nós dois inventou uma máquina do tempo! — Ah, não! Nem tente pensar nisso! — Millie levantou-se e me encarou. Seu rosto era um misto de preocupação e indigna ção, e por um momento — um só, bem pequeno — pensei que ela talvez estivesse com a razão. — Você é a única que pode me ajudar… — supliquei, com os olhos marejados. — Olhe, Adam… preste muita atenção. Mesmo que viajar no tempo fosse mesmo possível — algo que, por enquanto, não pas sa de teoria sem nenhuma comprovação prática — os riscos de alguém morrer na experiência seriam de 999 em mil. Entendeu? Isso significa que eu nunca arriscaria a sua vida numa loucura como essa! — Millie, você quer que eu ajoelhe e implore? Não existe outra pessoa neste mundo que pode me ajudar! Você é minha única esperança! Eu não aguento mais viver deste jeito! E não aguentava mesmo. A tortura era muito grande. Sei que parecia novela mexicana, que eu estava fazendo papel ridículo, mas nada me importava. Nada. Só Violet. Só ela. — Não! — a resposta era firme e decidida. — Então vou embora pra casa! Não adianta ficar aqui fazen do este papel humilhante. — Nada disso! O senhor vai dormir aqui, bem longe daquele quadro! Se arrependimento matasse, agora eu estaria num caixão por ter deixado você ficar com ele. Vamos, — ela me empur rou — vou te levar até seu quarto e te trancar lá dentro! — Millie, eu não vou ficar! — falei com voz séria. — Você vai dormir aqui e fim de conversa! Obedeci. Talvez ela estivesse certa: se eu ficasse longe do re-trato, poderia me sentir melhor e tentar sair daquela insanidade, Deitei, apertando a medalha nas mãos, tentando de tudo para não pensar em Violet antes de dormir. Acordei algumas horas depois, com minha amiga me sacu dindo e gritando meu nome. Meu rosto estava molhado de lá grimas e eu sequer sabia por que estava chorando. Deitei no cole dela e solucei durante um longo tempo, sem fazer idéia do que estava acontecendo. Só sabia que meu peito doía muito e me considerava o homem mais infeliz do mundo. Três dias depois, ainda naquela casa, eu estava pior: parecia mais doente, mais acabado, mais deprimido. A noite não dor mia, durante o dia não comia. Estava afundado

numa infelicida de sem-fim e só conseguia pensar na mulher de vestido azul. — Está bem, eu concordo. Não agüento mais ver você des se jeito, se acabando em sofrimento. — disse Millie durante o jantar. — Que Deus me perdoe pela besteira que vou fazer. E se algo der errado, como muito provavelmente vai dar, só peço que Ele me ajude a conseguir viver com o remorso. — Então você vai…? — perguntei, incrédulo. — Nós vamos. Mas preciso de uns dias pra ajeitar tudo. O la boratório ainda está fechado e temos que entrar lá discretamen te. Também preciso configurar os instrumentos e encontrar uma solução pra fonte de energia. Mais uma coisa: se você morrer e eu for presa, vou amaldiçoar cada um dos seus dias na eternida de, está me entendendo? Claro que eu entendia. Aquilo era uma conversa de doidos, mas, como a própria Millie tinha dito, nós nunca fomos muito bons da cabeça. Procurei disfarçar minha alegria para não deixar minha amiga mais apavorada ainda, mas foi inútil. Meus olhos brilhavam e meu coração batia feito louco. Se alguém me dissesse que um dia eu passaria por tudo aquilo, sem dúvida teria rido até chorar. Agora, lá estava eu, pronto para me arriscar, numa experiência que podia ser fatal, por uma mulher que provavelmente nunca encontraria. Dez dias depois, Millie me ligou: — E então… Está pronto pra tentar? Hoje à noite consigo en trar no laboratório. Tive de gastar uma fortuna em subornos, mas enfim… Se eu estava pronto? Pensei em tudo que ia deixar para trás: minha vida, meus negócios, a possibilidade de jamais conhecer al guém que eu pudesse amar. Então pensei em Violet. Sim, eu estava pronto! E que Deus me ajudasse, porque eu ia precisar muito. Encontrei Millie me esperando na porta de sua casa, pálida, com olhar assustado. Estava exigindo muito dela e sabia disso, mas não havia outra solução: continuar vivendo sem Violet seria impossível. Parado no centro da área de testes, eu via Millie através do vidro protetor com expressão muito preocupada. Talvez nada desse certo. Eu podia me desintegrar, virar pó, me transformar numa lagartixa mutante e sei lá mais quantas outras possibilida des. Mas, no fundo, meu coração sabia que não seria assim. Ele tinha certeza de que tudo daria certo. Millie entrou na câmara em que eu estava, aproximou-se de mim, me deu um beijo e um abraço apertado. Ela me olhou com os olhos rasos d'água. — Está tudo pronto, Adam. — disse com a certeza de que aquela seria a última vez que nos veríamos. — Eu nem sei como te agradecer… — respondi, procurando mostrar segurança na voz. — Será que algum dia vou ficar sabendo se você conseguiu? — ela perguntou, e uma lágrima escorreu pelo seu rosto. — Eu dou um jeito de te avisar. De alguma forma você vai saber. Eu prometo. — Ainda podemos desistir, Adam, e fingir que nada disso aconteceu. — ela tentou uma última vez. — Desistir? De jeito nenhum, querida. Eu vou me encontrar com Violet. Millie me deu mais um beijo e outro abraço apertado, antes de fechar a porta de vidro e isolar a câmara. Tinha chegado a hora. Fechei os olhos, sem saber o que esperar. Ela usou os cálculos do Dr. Faingold e estabeleceu o teleporte para 1858, na mesma data marcada no quadro, marcando as coordenadas para Deep Bluc Fox. A partir de então, a sorte estava lançada. Ouvi um leve zumbido e comecei a sentir o corpo esquentar. Abri os olhos e vi Millie olhando para mim, ainda com expressão preocupada. De repente, meu corpo começou a ser envolvido por uma aura azul e a vibrar, depois a tremer e, por fim, a sacu dir

violentamente. Uma névoa branca se espalhou pela câmara, enquanto eu era tomado por um forte enjôo e uma sensação de queda, como se estivesse escorregando por um túnel sem fim. Ouvi um barulho alto muito ao longe e, depois, silêncio total. Era como se o mundo tivesse parado. Eu parecia flutuar numa espécie de limbo. "Será que morri?", foi meu primeiro pensamento. Sempre ouvi dizer que, quando ao morrer, senti mos o corpo flutuar e vemos um túnel luminoso… Mas ali não havia luz nenhuma, só escuridão. "Meu Deus!", pensei apavora do, "Devo estar preso em algum lugar no fluxo do tempo!" Quando já estava me desesperando, a sensação de queda voltou e senti a cabeça bater em algo muito duro. Olhei para cima e vi o céu azul. Depois, mais nada. Millie tentou desligar tudo quando percebeu que o gerador estava a ponto de explodir. Correu para os computadores, mas o sistema não estava respondendo. Ela não conseguia ver o que estava acontecendo dentro da câmara por causa da fumaça. O aviso de emergência começou a soar alto e estridente, confun dindo ainda mais seu pensamento. De repente, todos os computadores travaram. Millie, que já estava aflita, ficou desesperada. Então, por uma fração de se gundo, ela pensou ver, pela tela de um deles, que o sistema esta va voltando a responder. Foi quando tudo explodiu, espalhando fagulhas e fogo por todos os lados. Minha amiga foi atirada longe, bateu a cabeça na quina da bancada e desmaiou, enquanto o sistema antiincêndio começa va a esguichar água por todo o laboratório, terminando de des truir o que a explosão não tinha conseguido. Alguém da segurança arrombou a porta e ela foi carregada para fora, com queimaduras nos braços e pemas, e um profundo corte na cabeça. Suas anotações, o trabalho inteiro do Dr. Faingold e to dos os dados do sistema se foram para sempre, destruídos pelo fogo. O que aconteceu ali jamais seria entendido por ninguém. Millie entrou desacordada no hospital. Depois de operada, foi para a unidade de terapia intensiva sem ter a mínima consci ência do que tinha acontecido. Longe dali, muito longe no tempo e no espaço, eu estava em situação parecida com a de Millie. Ela nem imaginava, assim como eu, que nossa louca aventura, motivada pelo meu descon sole emocional, tinha dado certo. Se eu veria ou não Violet, se ela me amaria, se nós seríamos felizes juntos eram perguntas que permaneciam suspensas. Pelo menos até eu acordar. Capítulo VI Senti algo me apertando a cabeça e a dor lancinante chegou, fazendo meu crânio pulsar feito coração de atleta em plena corrida. Doía, doía muito e eu gemi alto. Alguém colocou uma caneca em minha boca e me fez beber um líquido horrivelmente amargo que me embrulhou o estômago. Sentia tanta dor na cabeça que não conseguia abrir os olhos. "Meu mundo por uma aspirina", pensei e desmaiei outra vez. Tenho vagas lembranças de ter gemido, falado e gritado por Violet, mas apenas isso: vagas lembranças. Sentia calafrios estre mecerem meu corpo e, a cada um, a cabeça voltava a explodir. Passei vários dias assim, entre a vida e a morte, semiconsciente do que acontecia à minha volta. Em determinado momento, senti que alguém me carregava, mas não tive condições de reagir ou de me manifestar. Apenas permaneci imóvel, rezando para a dor na cabeça desaparecer. Quando finalmente abri os olhos, quatro dias haviam se pas sado e eu não fazia idéia de onde estava. Lentamente me sentei na cama, imaginando que a cabeça doeria menos. Finalmente consegui focalizar os olhos e vi que estava num quarto amplo, cheio de

janelas com pesadas cortinas de veludo azul escuro e forro branco. A cama onde me colocaram era bem antiga, com dosséis al tos, embora parecesse nova em folha. Ao lado havia um móvel com gavetas, também em estilo antigo, e sobre ele, finas escultu ras de porcelana francesa, um vaso com flores e uma bacia com uma jarra dentro, usada para higiene pessoal. Aquilo parecia um museu. Mas um museu onde todas as peças eram novas e polidas, sem sinais de desgaste. Do lado contrário à cama, uma poltrona de braços altos, forrada com o mesmo veludo azul da cortina, era seguida pelo guarda-roupa, uma peça sólida e pesada feita em madeira escura; a mesma, aliás, usada em todos os móveis. "Onde estou?", pensei, colocando os pés para fora da cama. Levantei com dificuldade, sentindo o corpo dolorido, e cami nhei até a janela. A vista lá fora parecia saída diretamente de um quadro do século XIX: campos verdejantes que terminavam abruptamente em rochas escuras, algumas árvores e flores espa lhadas aqui e ali. Tinha certeza de que conhecia aquele lugar, mas onde ficava? 0 que havia acontecido comigo? Onde estava Millie? Voltei para a cama e, de repente, me levantei de novo e corri para a janela. Claro que eu conhecia o lugar! Já estivera ali an tes! Era Deep Blue Fox, a residência de Violet! Meu Deus do céu! Millie tinha conseguido! Eu estava de volta ao passado! Por isso os móveis antigos pareciam novos: eles eram novos! Só seriam antigos muitos anos depois! Mas como? Como eu tinha chegado ali? Será que apareci naquele quarto como num passe de mágica? Toda a agitação que sentia me deixou zonzo e voltei para a cama exatamente no momento em que a porta se abriu e uma moça, vestida tipicamente como as empregadas da época, entrou no quarto. Ela abriu um largo sorriso quando me viu desperto: — Ah! Finalmente o senhor despertou! Pregou-nos um susto e tanto, sabia? — Eu… imagino. Por favor… a senhora precisa me responder uma pergunta — supliquei, tentando conter minha ansiedade. — Por acaso estou mesmo em Deep Blue Fox, a casa de Violet Saint James? — Com toda a certeza! — foi a resposta. — A Sra. Saint James é minha patroa. Senti uma fina camada de suor brotar no rosto e a respiração se encurtar. — E a Sra. Violet… ela se encontra? — voltei a perguntar, ainda mal acreditando no que via e ouvia. — Claro. Ela também ficou muito preocupada com o seu estado e me pediu para chamá-la assim que o senhor acordasse. — Quer dizer… agora? — Bem, o senhor me parece bem acordado neste momento! — ela comentou como uma professora falando com o pior aluno da classe. — Se me permite, eu irei buscá-la. — Claro, claro! — respondi, procurando esconder que não havia nada que eu quisesse mais do que aquilo. A empregada pediu licença e saiu. Continuei deitado, agora olhando para o teto e rezando a todos os santos para não desper tar. Se aquilo fosse um sonho, eu queria morrer dormindo. Fechei os olhos e o rosto que vinha assombrando meus dias surgiu à minha frente. Lindo. Terno e provocante. Maior do que a vida. Chamando-me sem dizer uma só palavra. "Cruzei as fronteiras do tempo para te encontrar, meu amor", pensei, esquecendo os últimos vestígios da lógica que inutilmente tentava me fazer duvidar de tudo aquilo. Como ela seria em carne e osso? Como seria sua voz, seus movimentos, o perfume que seu corpo espalhava pelo ar quan do caminhava? Faltava pouco, agora. Em breve, ela estaria na minha frente. Não mais encarcerada em um quadro. Em pessoa. Para sempre. Ouvi dois toques na porta. A maçaneta girou e uma réstia de luz vazou para dentro

do quarto, imediatamente seguida pela voz da empregada: — Com licença… a Sra. Saint James está aqui para vê-lo. Pensei que meu coração fosse saltar do peito. A porta se abriu por inteiro e eu a vi entrar. Como um raio de sol rasgando as nuvens que até então cobriam minha alma. Como um arco-íris iluminando o mundo. Ela trajava um vestido negro, abotoado até o pescoço. Seus cabelos eram dourados, seus olhos cor-de-violeta. Por mais im possível que pudesse parecer, minha amada estava ali, a um me tro de mim, e sua presença física superou todas as minhas ex pectativas. Sem conseguir raciocinar direito, eu disse seu nome com voz emocionada: — Violet Saint James… — Ela sorriu: — Sim, sou eu mesma. E o senhor, quem é? Sua voz era parecida com a que eu ouvia em meus sonhos, só que mais sonora, mais agradável e feminina, com um leve toque de sensualidade. — Sou Adam Schuster… — e tentei me levantar, mas a tontu ra não deixou. — Por favor, não se levante, senhor. Esteve à beira da morte Por vários dias e precisa repousar. Repousar? Eu tinha viajado quase 150 anos e muitos qui lômetros só para vê-la! Mas era verdade… Eu tinha mesmo que descansar. Ainda me sentia fraco e com um pouco de dor de cabeça. — O que houve comigo? Não consigo me lembrar de nada… — perguntei emocionado. Emocionado por ela! Como era lin da! O pintor que a retratara era muito talentoso, mas nenhuma tela poderia fazer justiça à verdadeira Violet. A pele macia e ro sada, os cabelos brilhando como ouro ao amanhecer… Ah, e os olhos. Não havia como descrever com precisão os olhos daquela mulher. Mais uma vez tratei de controlar meu entusiasmo e esperei suas explicações. — Não sabemos muito bem o que lhe aconteceu. — ela come çou a falar e meu coração sorriu. — O senhor foi encontrado por uma família de agricultores da região, caído à beira da estrada e com um ferimento grave na cabeça. A julgar pelas roupas que usava, imaginamos que tenha sido vítima de assaltantes. Pedi que o trouxessem para cá, onde poderia receber melhores cuidados. — Assaltantes? Vocês também têm isso por aqui? — pergun tei espantado. Violet riu alto: — Oh, sim, infelizmente. Não é sempre que atacam alguém, mas às vezes acontecem esses terríveis episódios. De onde é, se nhor Schuster? — Nova York. — respondi sem pensar. — Da América! E o que faz por aqui? Vim te ver, fazê-la minha mulher, viver com você até o final dos meus dias, me perder em seu corpo perfeito até o bom Deu? decidir levar minha alma. É isso o que eu tinha vontade de res ponder, mas só disse: — Vim a negócios, senhora. — Estranho… A família que o encontrou falou que, durante os delírios de febre, o senhor gritou meu nome várias vezes. Ela tinha me desmascarado. E agora? — Na verdade, eu vim procurá-la. — Mas… o senhor não disse que veio a negócios? — E vim. — respondi sorrindo, observando seus olhos intri gados. Estava fazendo com ela o que costumava fazer com meus clientes: ganhando tempo até encontrar uma boa explicação.

— Talvez queira me falar sobre isso durante o almoço, se nhor. — Foi sua resposta, dispensando a empregada, o que se ria impensável naqueles dias. Imagine uma viúva honesta ficar sozinha num quarto com um completo estranho. Mas pelo jeito isso não incomodava Violet nem um pouco: — Vou pedir que tragam a refeição aqui. Assim podemos conversar enquanto almoçamos. Se o senhor me der licença… — Claro, fique à vontade. — respondi, sem conseguir me mover. Ela saiu. Tive vontade de levantar da cama e dançar um tan go — coisa, aliás, que eu nunca tinha feito na vida. Violet Saint James em pessoa ia almoçar comigo! Passei a mão pelo peito e só então notei que meus jeans, camiseta e ténis haviam desapa recido. Eu usava uma roupa que parecia ter saído de um mu seu. Com certeza, alguém havia me trocado enquanto eu estava inconsciente. Procurando manter a calma, comecei a pensar numa boa his tória para contar. Violet não era boba; enganá-la seria cometer um suicídio amoroso e eu não tinha vindo de tão longe para morrer na praia. Alguns minutos depois ela voltou, seguida por vários empregados. Eles colocaram uma mesa e duas cadeiras no quarto e serviram a refeição. Retiraram-se em seguida por ordem da patroa. — Espero que aprecie a comida. Não estava esperando visitas… — Imagine, está tudo perfeito! — respondi, com a fome cor roendo meu estômago ao sentir o aroma da farta refeição à mi nha frente. — Muito bem, senhor Schuster, vamos deixar de meias palavras. — sua voz soou firme. — Veio aqui por causa do retrato, não foi? Arregalei os olhos. Como ela sabia? — Quando concordei em posar para meu amigo Pierre Marcier, fiz com que ele prometesse jamais exibir aquele quadro na Europa. Contudo, vejo que essa promessa não foi cumprida Imagino que tenha vindo aqui para pedir dinheiro em troca de seu silêncio, correto? Meu Deus, ela estava achando que eu queria chantageá-la! — Desculpe, senhora, mas não sei do que está falando. Eu sou um cavalheiro. Jamais teria uma atitude tão sórdida com quem quer que fosse. — Eu… não quis ofendê-lo, senhor Schuster, mas… o senhor viu o retrato, não viu? — Sim, eu vi. — admiti sem pestanejar. Afinal, era por conta do quadro que estava metido naquela loucura. — E devo dizei que ele me encantou. Violet riu e seus olhos brilharam. — Posei para Pierre durante duas semanas apenas. Mas o fiz em segredo, para não chocar as pessoas. Sabe como são essas coisas… Ninguém aceitaria que uma viúva usasse aqueles trajes ou que fosse pintada com ar sedutor. Meu nome seria atirado na lama. Como ele ia levar o quadro a uma exposição na América, achei que não haveria problemas… "Então foi assim que o quadro chegou aos Estados Unidos!", ponderei. — O retrato realmente me fascinou, senhora Saint James. Assim que o vi, senti que precisava conhecê-la. Esse foi o motivo que me trouxe até aqui. Espero que não se ofenda… Violet desviou o olhar e por um momento ficou pensativa, considerando se acreditaria ou não em minhas palavras. Enfim, perguntou: — Eu não entendi… O senhor viajou toda essa distância apenas para me conhecer? Espera realmente que eu acredite nisso? Se ela ficou surpresa, imaginei qual seria sua reação se soubesse que atravessei quase dois séculos para vê-la. — Concordo que parece estranho, mas creia-me, senhora… Depois de ver sua imagem,

minha vida transformou-se em uma cruzada sem limites para tentar encontrá-la. — Mas, por quê? Por que queria me ver tanto assim? — Porque fiquei fascinado, não apenas por sua beleza, mas pelo que vi em seu olhar. Ela balançou a cabeça lentamente, procurando entender o que eu dizia. Por fim, me olhou com uma sombra de sorriso nos lábios: — O senhor há de convir que é uma história difícil de acreditar. — Eu sei, mas… Espero não ofendê-la com o que vou dizer… seus olhos me enfeitiçaram. — E por isso o senhor cruzou um oceano? — Eu seria capaz de fazer muito mais. Violet sorriu. — Bem, o senhor queria me ver. Agora que já viu, valeu a pena todo o seu esforço? Fixei os olhos em seu rosto, esforçando-me ao máximo para que ela não percebesse o quanto a queria. — Devo dizer que vê-la em pessoa superou todas as minhas expectativas. Ela sorriu outra vez e mudou de assunto. Continuamos conversando, mas sobre amenidades. Violet me fez várias perguntas sobre a vida na América que exigiram todo meu conhecimento da história dos Estados Unidos e um extremo cuidado para não misturar datas e fatos. A mulher parecia fascinada com a possibilidade de conversar sobre assuntos que não fossem bordados e festas. Era uma pessoa inteligente, lia muito e estava à frente de seu tempo. — Em que trabalha, senhor Schuster? — Bem… Neste momento estou sem emprego, mas já trabalhei muito no mercado de artes. E imagino que todo o dinheiro que tinha comigo foi levado pelos ladrões que me atacaram… Ela me sondou com os olhos, procurando a mínima sombra de mentira em minhas palavras. Mas eu não estava mentindo. Realmente trabalhava com artes e estava sem um tostão. — Nesse caso, creio que o senhor não ficará muito tempo desempregado. Sou colecionadora de objetos raros e tenho muitos conhecidos no ramo. Seus conselhos serão muito úteis por aqui. E muito bem pagos. — Seria atrevimento meu se eu pedisse que me chamasse de Adam? Ela sorriu: — Nestes tempos em que tudo é proibido, e a moral anda mais vigiada do que as jóias da Coroa, creio que seria precipitado chamá-lo assim, já que mal nos conhecemos. — Entendo. — respondi contrariado, me amaldiçoando por nunca ter lido os manuais de etiqueta da era vitoriana. — Por outro lado… Não é divertido desafiar as regras e fazer o que se tem vontade? Meus olhos brilharam. — Concordo em chamá-lo de Adam e você pode dirigir-se a mim como Violet, mas com uma condição. — Qual? — Que todos os dias você reserve algumas horas para con versarmos sobre artes, filosofia e as novas ciências naturais que estão ganhando terreno nas universidades. Interesso-me por tais assuntos e não tenho com quem falar sobre eles aqui. — Condição mais do que aceita! — respondi encantado e Violet sorriu de volta. Percebi um brilho diferente em seus olhos, uma ponta de sedução, que me fez suspeitar se ela estaria flertando comigo. — Muito bem, Adam, agora quero que descanse. Quando estiver melhor, podemos

caminhar até os rochedos, se quiser. Adoro ficar lá no alto vendo o céu tocar o oceano. A menção dos rochedos me fez sentir um arrepio sinistro. Foi dos penhascos que ela caiu… mas, por quê? Teria sido um acidente ou… — Violet? — chamei-a com ternura, não querendo que ela se retirasse. — Pois não? — Ainda estou meio confuso… Que dia é hoje? Em que ano estamos? — Hoje, meu caro Adam, é 10 de julho de 1860. 1860? Mas eu tinha dito a Millie 1858! E 10 de julho? Violet morreu em 22 de julho! Eu tinha muito pouco tempo para agir e tentar evitar o acidente que tirou sua vida. — Algo errado? — ela perguntou, notando minha expressão preocupada. — Não… é só minha cabeça. Ainda incomoda um pouco… — Então, descanse. Venho vê-lo mais tarde. Caso precise de alguma coisa, basta tocar a sineta. Minha amada saiu e foi como se as luzes da vida se apagas sem. Fiquei ali, deitado, com cara de bobo, sem saber o que fazer ou pensar. Eu queria encontrar Violet e tinha conseguido. Mas, e agora? Restavam apenas 12 dias até o momento fatal. Senti um forte aperto no coração. Como convencê-la, em tão pouco tempo, sobre o perigo iminente? Será que eu conseguiria fazer com que ela se apaixonasse por mim? Pela primeira vez rezei para que meu famoso charme, tão eficiente no século XXI, também funcionasse naquele tempo. Acabei adormecendo, perdido nesses pensamentos. Quando acordei, o quarto estava iluminado apenas pela fraca luz de um lampião sobre a lareira. Que horas seriam? Levantei-me, coloquei um pouco de água na bacia de louça e lavei o rosto. Onde ficava o banheiro? Onde estava minha escova de dentes? Come ia viver naquele lugar? Coloquei um paletó deixado sobre a poltrona, ajeitei os cabelos e sai do quarto, disposto a explorar a casa e encontrar o banheiro. Ao passar pela escada, ouvi vozes no andar de baixo. Desci as escadas em silêncio, segui na direção da conversa e vi minha amada, numa confortável poltrona de couro, conversando corri uma jovem loira que me lembrou alguém. Quando ela se virou em direção à porta e pude ver seu rosto, levei um susto. Era Millie Peterson! — Adam! — Violet sorriu ao me ver. — Venha conhecer minha cunhada, Camille Saint James. Pedi-lhe que viesse me fazer companhia durante alguns dias. Camille, a irmã de Stewart que tinha ido para a América. Camille, cuja história não aparecia nos registros. "Sei que a avó do meu pai veio da Inglaterra em Í800 e qualquer coisa e acabou se estabelecendo em Cincinatti. Ela se meteu num ramo de negócios muito lucrativo na época: a prostituição", Millie tinha me dito. Seria possível que a moça que virou prostituta em Cincinatli era aquela jovem linda me sorrindo com olhos curiosos? — Como vai, senhorita? — perguntei de forma cortês. — Adam Schuster é um velho amigo que trabalha no mercado de artes, Camille. Ele vive na América. — explicou Violet, piscando para mim. — Verdade? Que fascinante. Papai gostará de saber disso. Além de apreciar boas peças, também morou alguns anos em seu país, senhor Schuster. — Excelente notícia. — respondi. — Assim posso colocá-lo a par das novidades. — Ele ficará encantado, tenho certeza. — concordou Camille. "Meu Deus, como ela se parece com Millie! Será que é meio maluca também?", ponderei. Como se em resposta a meus pensamentos, ela se virou para mim com a maior naturalidade e perguntou: — É casado, senhor Schuster? — Não, senhorita, nem nunca fui. — e olhei rapidamente para Violet, que parecia

estar se divertindo com o atrevimento da cunhada. — Eu vou me casar no próximo mês com Charlton McGregor, um dos rapazes mais encantadores e ricos de toda a Inglaterra. — Meus parabéns! Ele tem sorte de ter uma noiva tão graciosa. Apesar de ter corado, Camille continuou a conversa com o mesmo tom natural que sua parente usava no futuro quando dizia algum absurdo: — Estava pensando… Já que o senhor não é comprometido, que tal acompanhar Violet em minhas bodas? Afinal, vocês são amigos de longa data, não? Eu ri, duvidando que aquele fosse um comportamento adequado a uma moça bem nascida e educada como ela, e imaginei que a era vitoriana não tinha sido tão vitoriana, afinal. — Seria um prazer… se Violet concordar, é claro. — respondi, usando de todo o meu cavalheirismo. — Ora, Adam, não dê ouvidos às tagarelices de Camille. Ela só pensa em se casar, só fala nisso. — os olhos de ametista brilharam para mim e novamente notei neles uma faísca de interesse. — Mas… você ainda não jantou. — Violet mudou de assunto. -Está com fome? Mandei que o deixassem descansar o máximo mo possível. — Eu gostaria de comer alguma coisa, sim, e também de me lavar. Procurei o banheiro, mas não consegui encontrá-lo. — Henry lhe mostrará onde fica — disse ela, tocando a sineta — e também mostrará onde encontrar algumas roupas. Nós já ceamos, mas podemos tomar uma xícara de chá para lhe fazer companhia, não é, Camille? A moça concordou. Saí da sala pedindo licença e segui os passos do velho Henry, que parecia mais fossilizado do que vivo. "Então Camille vai se casar", pensei durante o banho que o mordomo havia preparado. "Mas como alguém prestes a se unir com o homem que ama — e ela parecia mesmo muito apaixonada por ele — foge para a América sem deixar rastros?" Lá embaixo, a conversa continuava animada: — Ele é muito bonito, Violet! Além de charmoso e simpático! — Camille, por favor, tenha modos! Você é comprometida! — Mas você não! E jovem, linda e livre! E já passou da hora de encontrar alguém. Por mais que amasse meu irmão, está viúva há seis anos! É tempo demais… — Você é como todas as noivas. Só porque vai se casar quer que o mundo inteiro faça o mesmo. Saiba que estou muito bem sozinha. Quando desci, a moça já havia se recolhido e só Violet esperava por mim. Como tinha decidido conquistá-la a qualquer preço, quanto mais tempo estivéssemos sozinhos, melhor. A mulher por quem eu havia feito o impossível me observava, enquanto sorvia o chá e eu devorava a refeição. — Está deveras calado, Adam. Sente-se bem? — Ótimo! Só estou pensando na sorte de tê-la conhecido, Quando vim para cá, só podia contar com ela para encontrar você. Violet riu, mas seus olhos não. — Fico muito lisonjeada por seus esforços, mas… o que realmente espera de mim? "Que você me ame e se atire em meus braços, me dê filhos e envelheça comigo!" Pensei isso, mas respondi apenas: — Não sei… O que posso esperar de você, Violet? Ela se levantou e caminhou alguns passos. — Também não sei. Nem mesmo sei por que estou aqui fa lando essas coisas. É como

se uma voz dentro de mim dissesse que você faz parte de meu destino… Eu sorri. Ela devia estar sentindo o mesmo que senti ao ver seu quadro pela primeira vez: uma mistura de curiosidade e fas cínio. Claro que no meu caso o fascínio foi inevitável: Violet era soberba! — Se você permitir, Violet, nada me agradaria mais do que ser parte de seu destino. Para ser franco, eu vim até aqui exata-mente para isso. — O destino, Adam, tem várias faces. Só espero que seja parte da melhor delas… — seu olhar nublou-se por um minuto e eu fiquei imaginando o que significaria aquele comentário. Ela terminou o chá em silêncio e não me atrevi a dizer mais nada. Achei que a noite terminaria ali. Como passei os últimos quatro dias dormindo, não tinha a menor vontade de ir para a cama. Os costumes da época im punham que as pessoas se recolhessem cedo, mas, para minha sorte, Violet pouco se importava com eles… — Não costumo me deitar cedo, Adam. Porém, caso sinta-se cansado, fique à vontade para. — Não, não! Estou mais do que descansado. Mas, pelo que vejo, aqui não há muito divertimento. O que costuma fazer depois do jantar? — Leio ou saio para ver as estrelas. Às vezes fico pensando em como seria minha vida se tivesse nascido em outra época… Levei um susto. Como assim "nascido em outra época?” Será ela pressentia alguma coisa? — Não creio que entendi bem o que disse, Violet… — Sei que parece loucura, mas eu gostaria de viver em um tempo no qual a mulher pudesse mandar na própria vida, sem ter que obedecer ao marido ou senhor, e lhe fosse permitido escolher o próprio companheiro com liberdade. Quem diria… Uma mulher emancipada em pleno século XIX. Não era à toa que eu a amava. — Esse tempo certamente vai chegar. — respondi. — Não porque as pessoas gostem de mudanças, mas porque a econo mia mundial exigirá cada vez mais mulheres trabalhando fora de casa. Quando isso acontecer, a independência será uma conseqüência natural. Mas uma coisa é certa: por mais que os tem pos mudem, as mulheres e os homens sempre terão muito que aprender sobre relacionamentos. — Acha mesmo que tal época chegará? — Absoluta. — respondi com um sorriso. — E acha que as mulheres devem se emancipar? — pergun tou ela, como se estivesse fazendo uma pesquisa. — Claro. Mulheres decididas, que sabem o que querem, são sempre fascinantes. E muito atraentes também. Violet riu e me estendeu as mãos. E agora? Devia beijá-las, tocá-las ou o quê? Deus, como era difícil viver naquela época! Sem saber como agir envolvi as mãos dela com as minhas por inteiro. O contato com sua pele macia fez a adrenalina jorrai' pelo meu corpo. Olhei seus olhos e eles eram como um mar lilás me convi dando para um mergulho. Tudo que eu queria era me afogar dentro deles. Por um momento, quis puxá-la para mim e final mente experimentar o gosto daqueles lábios que me tiravam do juízo, mas novamente decidi me conter. Violet se aproximou um pouco mais. Ela estava perigosamen te perto, o suficiente para eu sentir a aura de calor e sensualidade que atravessavam aquelas roupas fechadas e austeras. O tempo parou outra vez. Seu rosto se inclinou alguns graus, como se qui sesse

me sussurrar alguma coisa. Decidi interromper aquela tortura e beijá-la com todo o de sejo que me consumia… Mas ela se afastou, abaixou a cabeça e sorriu. — Acho melhor nos recolhermos. Gostaria que me acompa nhasse a um passeio pela manhã e seria bom se estivesse bem descansado. Eu não acreditei. Fiquei sem jeito, sem saber para onde olhar. Era como se eu tivesse saltado da ponta de um precipício até a outra e, de repente, a outra extremidade tivesse sumido. Resul tado: me esborrachei no chão. Recolhi os cacos de todos os meus sonhos românticos, desejei boa-noite e fui para o quarto. Desnecessário dizer que levei ho ras para pegar no sono. Em parte porque ainda era muito cedo para os meus hábitos notívagos, em parte porque não havia du cha fria no banheiro. Quando finalmente consegui me acalmar e fui segurar mi nha medalha, notei que ela não estava mais comigo. Fiquei de sesperado. Será que tinha se perdido quando caí? Ou alguém a teria roubado de mim? Desde que a encontrei, nós nunca nos separamos. Acabei adormecendo segurando a ponta do travesseiro. Tive sonhos escandalosos com Violet, impróprios para qualquer dama, só que ela não parecia nem um pouco envergonhada. Na manhã seguinte, assim como aconteceria nos próximos três dias, minha amada, Camille e eu demos longos passeios pe los campos e penhascos, conversando sobre tudo. Fiquei surpre endido com a inteligência, a capacidade imaginativa e a simpli cidade das duas, que sempre me pediam para falar mais sobre Como eu imaginava o mundo no futuro. À noite, invariavelmente, Camille se recolhia mais cedo e eu tinha a oportunidade de ficar a sós com Violet. Fiz de tudo para me aproximai dela naqueles momentos, mas confesso que fui um fracasso. Tinha medo de ofender ou assustá-la com minhas investidas modernas e não sabia qual seria a maneira correia de me declarar. Agora, se eu tinha medo de ousar, Violet não parecia sentir o mesmo. — Você disse que cruzou o oceano apenas para me ver… — É verdade. — respondi, quando na verdade tinha feito muito mais. — No entanto, você me trata como a uma irmã. Creio que nem mesmo irmãos seriam tão recatados. Senti os dois oceanos de ametista me invadindo e fiquei sem saber o que responder. Será que ela estava tomando a iniciati va… tentando dizer que eu deveria beijá-la? — Agora você me deixou sem resposta… — comentei. — Lamento se o encabulei, — disse ela, divertindo-se — mas achei que depois de tanta conversa sobre mulheres fortes e deci didas você fosse ao menos tentar se aproximar mais… Meu Deus, será que tinha ouvido direito? Eu me sentia exatamente como quando tinha 10 anos e meu pai me pegou com uma revista pornô no fundo da garagem. Olhei para Violet e vi seus olhos cintilarem. Seus lábios estavam ligeiramente abertos, como se me fizessem um convite silencioso. Sem pensar que na quela época eu poderia ser morto por um ato libidinoso, tomei-a nos braços. Literalmente senti o mundo girar e as pernas falsearem. Com uma reverenda quase sagrada, toquei o rosto que tinha me es cravizado e, ao sentir sua boca se abrindo, molhada e ansiosa para me receber, perdi a noção de tudo. Beijei-a com doçura, depois com força, e depois com toda a minha paixão contida, saboreando cada centímetro de seus lábios, deixando o gosto de sua saliva me envolver inteiro. Senti Violet amolecer e pensei que estivesse desmaiando. Mas. Não. Ela estava apenas se entregando aos meus carinhos, cada vez mais sensuais e ousados.

Estava disposto a enfrentar um pelotão de fuzilamento, as chamas do inferno, qualquer coisa por aqueles beijos, por aquela boca, para sentir aquela respiração, que se tornava mais e mais ofegante. Apertei Violet em meus braços como se quisesse fundi-la a mim e beijei suas orelhas, explorando cada centímetro com minha língua, descendo pelo seu pescoço até onde a gola do vestido permitia. Ela se afastou um momento e soltou seus cabelos cuidado samente penteados. Eu comecei a acariciá-los, sentindo como eram macios, sedosos, como deslizavam entre meus dedos lan çando intensos reflexos dourados. Violet se deixou acariciar. Parecia estar sedenta por aquilo, sem se preocupar com o que era correto ou não. Jogou a cabeça para trás em gesto de completo abandono e mordi com delica deza a parte do pescoço que aquele maldito vestido permitia, retornando em seguida para sua boca. Ela saboreou meu beijo indecente com total intensidade. Seu rosto corado, os olhos translúcidos e os cabelos caídos sobre os om bros faziam dela a criatura mais linda e provocante deste mundo. — Pare, por favor. — sua voz rouca pedia enquanto sua alma incandescida me suplicava para continuar. — Não sei o que há comigo, nunca senti nada assim, nem me comportei dessa maneira… — Violet, eu…. me desculpe se desrespeitei você. Não pense sou um mau-caráter qualquer tentando me aproveitar de Mulheres indefesas… — Não sou indefesa, Adam. E isso toma tudo pior, não é? "Não, querida, torna tudo melhor!", pensei. "Significa que você me quer como eu te quero!" — Eu vou me recolher. Preciso pensar melhor nisso que acon teceu, em minha reação… Boa noite, Adam. — e saiu correndo da sala, me deixando sozinho, com o desejo pulsando, o coração disparado… e um terrível medo de perdê-la. Fui para o quarto, esperando outra noite infernal, mas, para minha surpresa, adormeci assim que deitei na cama. Em meus sonhos, fiz amor com ela de todas as maneiras possíveis (e im possíveis), transformando-a numa mulher insaciável. E a mim, em um super-homem. Capítulo VII Millie acordou com os olhos doendo, sem saber se ain da estava ou não no laboratório. O teto branco do quarto foi a primeira coisa que viu, e ao olhar para os aparelhos ao lado da cama entendeu que estava num hospital. O que tinha acontecido? Os computadores travaram e, de repente, tudo explodiu. Foi só isso? Não tinha algo mais? Por que estava no laborató rio se ele tinha sido fechado? — Adam! — ela falou com os olhos arregalados e a voz en gasgada. — Meu Deus, o que aconteceu com ele? Levantou da cama depressa e caiu no chão. Seus braços, pernas e cabeça doíam, e ela sentia um enjôo horrível. "Preciso sair daqui agora!", pensou, enquanto se arrastava de volta à cama. "Tenho de encontrar Adam! Será que ele morreu?" Não. Não podia ser. Ela não conseguiria viver sabendo que tinha matado o amigo. Sem conseguir voltar para a cama, continuou no chão, até que, meia hora depois, apareceu uma enfermeira e a socorreu, estava totalmente inconsciente.

O dia amanheceu e fui acordado por Henry, o mumificado mordomo de Violet. Em meu sonho, os seios daquela mulher perfeita estavam em minhas mãos e ela se contorcia de prazer. Fingi ainda estar dormindo. Foi inútil. Ele me chamou e, quando ouvi sua voz de filme de terror, tive vontade de mandá-lo para o inferno, ou algum outro lugar menos educado. — Bom dia, senhor. — ele me saudou. — Lady Saint James pediu que se apressasse, pois a jovem senhorita está de partida. — Já estou indo, Henry. Sai da cama e tropecei no camisolão que vestia. Que coisa horrível andar com aquilo. Eu me sentia o próprio velho rabu gento do conto de Natal de Charles Dickens. Ou uma tia velha qualquer. Simplesmente ridículo. Encontrei Violet e Camille tomando o café da manhã, envol vidas em uma animada conversa sobre a decoração dos salões para a festa de casamento. Mulheres são sempre iguais, seja em que século for. — Bom dia, senhor Schuster! — a garota me cumprimentou, toda sorridente. Olhei para ela imaginando o que Millie diria se soubesse que existiu uma exata cópia sua na Inglaterra vitoriana. — Bom dia, senhorita. Bom dia, Violet… — sorri, esperan do que minha deusa me lançasse olhares pecaminosos, mas ela apenas respondeu um inaudível bom-dia e voltou a tagarelar com Camille. Recolhido à minha insignificância, contentei-me em tomar o desjejum em silêncio, apreciando o sabor dos alimentos. — O que acha, senhor Schuster? — perguntou a moça, real mente interessada na minha opinião. — Eu… não sei exatamente a quê se refere… — respondi sem entender a indagação. — Eu acho que salmão claro seria adorável para a decoração das mesas, mas Violet pensa que ficaria pouco fino. Olhei de lado para os olhos mais lindos do mundo e eles me sorriram. O medo de estar sendo indesejado passou e resolvi entrar de vez naquela conversa, da qual não entendia absolutamente nada. Dei palpites sobre flores, decoração e cardápio, e com certeza falei uma série de bobagens. Após algum tempo, Camille foi embora, com a promessa de voltar dentro de alguns dias. — Cuide bem de Violet, senhor Schuster. — a moça disse quando entrou na carruagem. — Ela é muito solitária. Sorrimos, acenamos e ela partiu. — Gostaria de caminhar um pouco? — perguntei. Violet me olhou e senti todo o meu ser derreter sob aqueles olhos. Ela acompanhou meus passos em silêncio. Andávamos em direção aos rochedos, aquecidos pelo delicado sol da manhã. Protegida pela sombrinha, Violet permanecia calada, o que começou a me incomodar. — Violet, eu… — Agora não, por favor. Eu gosto de caminhar em silêncio, se não se importa. Claro que não me importava. Tudo que queria era estar ao seu lado. Chegamos afinal ao penhasco e ficamos ali parados, olhando a espuma do mar, ouvindo o murmúrio das águas que se moviam num vai-e-vem eterno. Em determinado momento ela suspirou: — Nunca fui feliz em meu casamento, Adam. Não havia nada de amor entre mim e Stewart. Foi apenas uma união arranjada, como acontece com a maioria. Nestes seis anos de viuvez, tenho me recusado a pensar em outro homem, pois não quero mais ficar sob o jugo de ninguém. Já me basta ter que obedecer à Coroa e seguir seus ridículos padrões de comportamento.

Continuei calado, sentindo que ela se preparava para me dizer algo importante. — O que aconteceu ontem à noite era algo impensável até então. Nunca imaginei que pudesse agir daquela forma… — Violet, eu quero me desculpar. Sei que me descontrolei. Ela fez um gesto para que eu me calasse. — A verdade, Adam, é que eu jamais imaginei ser possível sentir prazer em um beijo, ou que meu corpo reagiria com tanta intensidade a um contato com um homem. Fiquei em alerta: o que ela estava tentando me falar? — Eu não sei como dizer isso… afinal, mal nos conhecemos c não imagino que idéia você fará sobre meu caráter… Mas quero que saiba: apreciei o que aconteceu ontem à noite. Seria possível? Eu estava mesmo ouvindo aquilo? Continuei caiado, ouvindo o mar rugir muitos metros abaixo. — Não é próprio para uma dama dizer isto, e menos ainda para alguém em minha posição, mas… Olhei para ela. — Mas… Se você não se importar, gostaria que me beijasse novamente. Na minha cabeça havia uma fanfarra tocando, pessoas pu lando, uma festa de dar gosto estava acontecendo. Ela queria ser beijada outra vez! Sem dar tempo para que pudesse mudar de idéia, cheguei bem perto, afaguei seu rosto macio com as costas da mão e ergui seu queixo. — Nada me daria mais prazer, Violet… Colei o canto de meus lábios nos dela e senti seu corpo tre mer. Passei os braços em sua cintura e, segurando-a com firme za, deixei em sua boca a marca da minha. Corri a língua delica damente por seus dois lábios, contornando a superfície delicada de cada um deles, até sentir a língua macia e sensual que ela me oferecia. Ofegante, Violet correspondia com intensidade aos meus carinhos. Numa atitude ousada, ela repetiu cada gesto meu, passando a língua pela minha boca, até me beijar com uma intensidade tão grande que eu mesmo me espantei. Que beijo longo, delicioso, apaixonado! Olhei-a e vi seus cabelos resplandecendo no sol da manhã, seus olhos brilhando e sua boca pedindo mais. Beijei-a mais uma vez, e mais uma, e outra, até sentir que aquilo não era mais suficiente. Eu precisava tê-la por inteiro, matar a vontade que me consumia há tanto tempo. Estava cansado de sonhar — era hora de ter aquela mulher em came e osso. — Violet… não quero parecer apressado demais, mas eu… eu… E agora? Como se diziam essas coisas no século XIX? Não podia simplesmente agarrá-la! Ela sorriu com ar de quem entendia perfeitamente o que eu estava dizendo. Tudo aquilo era uma loucura! A sociedade puritana da época a esfolaria viva se soubesse o que estava acontecendo, mas quem disse que isso importava? — Não diga nada, Adam. — Violet pediu com os olhos bri lhando de paixão. — A sensação de beijar você aqui, onde o céu me desperta a vontade de voar, foi a coisa mais maravilhosa que me aconteceu. Agora eu sei o que significa amar alguém… — Então você… você me ama? — perguntei incrédulo. Ela sorriu e abaixou a cabeça sem tirar o olhar de mim. Que melhor resposta eu poderia ter? Coloquei meu braço em seus ombros e ficamos ali parados, olhando o espetáculo que a natu reza apresentava. Não ouvimos ninguém chamar, nem o homem se apro ximando, até ser tarde demais. Ele nos viu abraçados, o que podia criar sérios problemas para Violet. Eu não passava de um desconhecido abrigado em sua casa. Para a mentalidade sórdida da época, isso podia

significar que éramos amantes. Ela não pareceu se abalar: — Fale, senhor Stone. — sua voz soou firme e seca. Calvin Stone era uma espécie de marceneiro, jardineiro, car pinteiro e tratador de animais, que já trabalhava para o pai de Violet e a conhecia desde pequena. Devia saber que sua patroa não era do tipo que dava satisfação sobre seus atos. — Chegou esta mensagem de sir Edward — estendeu-lhe uma carta — e seu portador está aguardando uma resposta. Sir Edward estava nos convidando para o chá. Queria me conhecer e demonstrava preocupação por Violet ter me recebido na própria casa. — Mande o mensageiro dizer que nós iremos. — e ela dis pensou o esbaforido senhor Stone. Violet sorriu com certo ar de perversidade, dizendo que seria divertido ver como o sogro reagiria à minha presença, — Não creio que ele irá gostar. Talvez seja aconselhável eu procurar uma pousada. — De maneira nenhuma! A casa é minha, eu recebo quem quiser. Se meu sogro se desagradar, pior para ele. Senti extrema firmeza naquelas palavras. O chá com sir Edward acabou sendo muito agradável, ao menos para mim. Ele, claro, crivou-me de perguntas sobre a América e quis saber minhas opiniões sobre política e economia, além de me pedir que avaliasse alguns objetos raros comprados recentemente, o que fiz de bom grado. Para mim, acostumado a viver entre velharias quebradas, arranhadas e lascadas, estar entre tantos objetos novos e vendo a forma exara como eram usados, era como colocar uma criança no meio de uma loja de brinquedos. Adorei cada minuto e me diverti muito. Nosso anfitrião me deixou com as tais peças Taras, pediu que Camille me fizesse companhia e levou Violet para uma conversa em particular. A jovem falava sem parar sobre seu casamento e o quanto ela e Charlton se amavam. No escritório, porém, a conversa adquiriu um outro tom: — Você enlouqueceu, Violet? Faz idéia do que irão dizer quando souberem o que está fazendo? Sinto-me profundamente ofendido por sua insensibilidade. Ela não respondeu. — Como seu sogro, e na ausência de seu pai, exijo que mande esse estranho embora! Ela sentiu a raiva crescer, mas permaneceu em silêncio. — Você tem um nome a zelar e não pode desrespeitar a memória de Stewart hospedando um caça-dotes desconhecido! — E se eu não fizer isso? E se não quiser que ele se vá? — Você não se atreveria a me desobedecer! Sou seu sogro, sei o que é melhor para sua vida! — Assim como sabia que o melhor seria eu me casar com seu filho e encher de dinheiro suas arcas vazias? — Como se atreve?! Coloque-se em seu lugar de mulher ou então… — Então o quê? — Ou então vou informar sua Majestade sobre seu compor tamento e assumirei o controle de seus bens! Não posso arriscar a reputação de minha família, de Camille, apenas porque você perdeu a noção do que é próprio para uma dama! — Então é isso, não é? Dinheiro. Achou uma forma de final mente se apossar de toda a minha fortuna! Pois tente! Vamos ver o que acontece. — Eu… Eu não a reconheço mais, Violet! O que esse homem fez com você? Como pode me desafiar?!

— Entenda como quiser. Mas eu lhe aviso: será mais fácil a rainha passar a coroa para a França do que você colocar as mãos em um centavo do que é meu! E não vou mandar Adam Schuster embora. Enquanto for dona de Deep Blue Fox, ele continuará morando lá pelo tempo que quiser. E agora, se me der licença, preciso voltar. Quero chegar em casa antes do anoi tecer. — Recolhendo as longas saias, ela saiu da sala, deixando o sogro totalmente pasmo. Eu, é claro, não sabia de nada. Estava encantado demais com as peças de lorde Edward para prestar atenção em qualquer outra coisa. Isso sem falar que Camille não parava um minuto de tagarelar ao meu lado. Charlton isso, Charlton aquilo, e daí por diante. —Você ama muito seu noivo, não é? — para não parecer indelicado, perguntei, enquanto examinava uma estatueta de marfim. — Muito mesmo. Tenho sorte de não ser obrigada a me casar com algum nobre barrigudo. — Imagino. — Não que eu pudesse recusar, caso meu pai me obrigasse. Mas, para minha sorte, Charlton, além de lindo e inteligente, é de uma família nobre e papai está tão feliz quanto eu. — É, deve ser horrível viver com quem não amamos. — co mentei, analisando outra peça da coleção. — Horrível demais! Mas é o que mandam os costume e as tradições. Na América não é assim? Pensei um momento antes de responder. — Bom, às vezes, sim… Depende muito das famílias. Na América somos mais liberais. — Você e Violet estão apaixonados, não é? Nem tente negar… Eu vi a maneira como se olham. — Acha mesmo que sua cunhada está apaixonada por mim ? — a conversa estava começando a ficar interessante… — Tenho certeza. Ela jamais olhou para meu irmão desse jeito. — Bem, eu com certeza gosto muito de Violet, mas não sou rico e nem tenho títulos… — E quem se importa com isso? Não ela, com certeza. Minha cunhada tem dinheiro por vocês dois e não é nem um pouco ligada às convenções. Eu sorri e voltei ao trabalho, quando Violet entrou com o rosto pálido e os olhos quase saltando das órbitas. Fiquei assutado: — Você está bem? O que houve? — Podemos ir? Já está ficando tarde. — sua voz era áspera. Assim que deixei o candelabro sobre a mesinha, vi lorde Edward surgir, igualmente alterado. Sua voz, no entanto, parecia controlada: — Espero… que tenha apreciado minhas aquisições, senhor Schuster. — São realmente magníficas. O senhor fez uma excelente compra. Caso pretenda vender os objetos, aconselho que espere alguns anos. Vão estar muito valorizados daqui a algum tempo. Senti o ambiente pesado e vi pelo olhar de Camille que ela também estranhava a situação. Mas, como boa filha, cujo papel era permanecer calada frente à autoridade paterna, a moça limitou-se a olhar para mim, como se perguntando o que tinha acontecido. — Vamos, Adam. Não quero chegar em casa à noite. — disse Violet com uma voz que me assustou. Fiquei sem saber o que fazer. Logo me despedi de lorde Edward, um tanto sem

graça, mas aceitei seu convite para almoçar no dia seguinte. Algo me dizia que ele queria ter uma longa conversa comigo a sós. Violet seguia calada ao meu lado, com o corpo tenso e a expressão contrariada. Passei meu braço sobre seus ombros e perguntei cuidadoso: — O que houve, querida? — Tem certeza de que quer saber? — sua voz agora parecia embargada. Aos poucos ela me contou sobre a discussão e a revolta que sentiu ao se ver acuada, sem direitos, sem poder fazer o que quisesse com a própria vida: — Isso não é justo! O dinheiro é meu! E a vida também! Como não posso amar quem eu quero só porque não é assim que uma dama se comporta? Quando isso vai acabar, Adam? Quando? Abracei Víolet e beijei o alto de sua cabeça. Minha presença já tinha começado a causar transtornos. Mas o que eu esperava? Não pertencia àquele lugar e tinha me intrometido à revelia na vida das pessoas porque estava apaixonado por alguém que havia morrido muito antes de eu nascer. Oficialmente, eu nem existia, era um estranho, um fantasma. Lembrei-me de uma conversa que tive com Milíie dias antes do episódio no laboratório: — Adam, pense bem no que quer fazer. Supondo que dê tudo certo e que consiga encontrar Violet, o que você espera fazer? — Me casar com ela, é claro! — Acho que não está entendendo o tamanho da encrenca em que vai se meter, meu amigo. Você pode alterar a história! Adam Schuster não existia 150 anos atrás. Indo para lá, é impossível prever o que pode acontecer! — Como assim? — É como uma pilha de palitos. Quando você mexe um, todos se mexem. Nunca ouviu falar na Teoria do Caos? — Sei, sei… Uma borboleta que bate as asas na Tailândia acaba causando um furacão no Japão ou qualquer coisa do gênero. Mas isso é só uma teoria maluca. — Não! É a conseqüência de atos que se desencadeiam um após o outro! Se conseguir o que pretende, você pode causar impacto bem maior que uma borboleta. — Está dizendo que, se me casar com Violet, posso mudar o futuro do mundo? Tenha paciência, Millie! Isso não faz sentido. — E voltar no tempo simplesmente porque está obcecado com um quadro velho faz? Não… não fazia mesmo. Mas eu não queria ouvir aquilo, não queria ser razoável, não queria ter juízo. A imagem da cela acolchoada ainda era uma ameaça e eu não estava disposto a ser encarcerado num hospício qualquer. Eu queria Violet. O resto não tinha a menor importância. Mesmo mudando o futuro, pelo menos eu ficaria com ela. Pois bem: as mudanças que minha presença podia provocar numa época que não era a minha já tinham começado. — Nunca discuti com meu sogro antes. Nunca ousei desafiar ninguém dessa maneira, Adam. Não sei o que deu em mim. Simplesmente não suportei ouvi-lo falar comigo como se eu fosse sua propriedade, um cão amestrado ou algo assim! — lamentava Violet, com as lágrimas rolando pelo rosto. — Eu sinto muito. Não pensei que causaria problemas a você, querida. Se soubesse… — Não é você, é tudo. Sua presença é apenas um pretexto, entende? O que sir Edward realmente quer é se apossar do que é meu… — Será, Violet? Talvez não seja mesmo certo eu ficar em sua casa e nos envolvermos assim-

— Não diga isso! Pensei que tivesse vindo da América só para estar comigo! — Mas é claro que vim! Violet, eu te amo! Seria capaz de ir ao inferno por você! — Você… me ama? — ela quase sussurrou, erguendo o rosto molhado para me olhar. — Muito mais do que imagina! — respondi, beijando sua testa. Violet soltou os cabelos. Em um segundo seus olhos voltaram a emitir aquela luz fascinante que só as mulheres são capazes quando querem seduzir a nós, tolos e pretensiosos homens, que pensamos estar no controle da situação. — Prove que me ama. — disse ela, desafiando-me. E agora? O que eu devia fazer? Contar toda a verdade? Eu me imaginei dizendo: "Vim do século XXI só pra me casar com você!" Não, isso estava fora de questão. Então, fiz a única coisa em que consegui pensar naquelas circunstâncias: beijei-a com força, com loucura. Perdi o senso. Quis rasgar aquele maldito vestido que a cobria por inteiro. Violet gemia, arfava e mordia minha boca e meu pescoço, tomada pela vontade de se entregar de corpo e alma. A carruagem balançava pela estrada pedregosa e eu, esquecido de onde estava, buscava uma maneira de arrancar Violei daquele pacote de tecidos que me impedia de sentir sua pele. Ainda bem que ela era mais ajuizada e me afastou gentilmente, se recompondo: — Hoje à noite, após o jantar! Não aqui. Não agora. Vou fazer uma surpresa para você. — disse ela, maliciosa. — Que surpresa? O que está planejando? — Hoje à noite serei a Violet que sempre quis ser, Adam; a mulher que sente e deseja, que conhece seu homem por inteiro. Durante os dois anos de meu casamento, eu mal suportava o contato com meu marido. Não que ele fosse feio, sujo ou velho. Não. Era um rapaz até bonito, mas me tratava como lixo, como algo que estava ali apenas para ajudá-lo a se aliviar. Dentro de meu coração sempre soube que era impossível ser só aquilo, que uma mulher e um homem podem ter muito mais um do outro do que os 10 minutos que eu tinha com Stewart. Emocionado, beijei suas mãos e encostei sua cabeça em meu peito. O que ia acontecer dali por diante eu não podia imaginar. Mas, fosse o que fosse, apenas Violet me importava. Tomei meu banho de tina (o que, confesso, nem era tão mau assim), assistido por Henry, que jogava água quente em minhas costas, e depois coloquei um dos trajes à minha disposição no guarda-roupa. — De quem são estas roupas, Henry? — perguntei, curioso. — Eram de sir Stewart. Milady não se desfez delas após a morte do pobre rapaz. Ele devia ter o corpo idêntico ao meu, porque as roupas pareciam feitas sob medida para mim. Perguntei isso a Henry. — Para ser sincero, senhor, há realmente muita semelhança entre o senhor e sir Stewart. E agora que ocupa o quarto dele… — Como assim? Stewart Saint James não dormia com a esposa? — Não sei se devo falar sobre isso, senhor. — sentenciou Henry e voltou à sua postura de sempre. Desci as escadas ansioso, imaginando que surpresa minha deusa estaria preparando. Encontrei a sala de jantar vazia e Henry me disse que aguardasse, pois a senhora já estava descendo. Fechou a porta e saiu. Alguns minutos depois, a porta se abriu e eu pensei que estava tendo alguma visão: parada diante de mim, Violet estava vestida exatamente como no quadro que tinha despertado em mim o amor, a paixão e a loucura.

Magnífica, os cabelos brilhando à luz dos candelabros, ela caminhou lentamente até mim como se não tocasse o chão, e pude sentir o seu perfume. A energia e sensualidade que ela exalava só podiam ter origem na dimensão dos deuses. Nada que vi ou vivi até aquele momento podia se comparar à imagem de Violet vestida daquela forma. O decote, que deixava seu colo à mostra, também revelava o suave contorno de seus seios: nem grandes, nem pequenos, simplesmente perfeitos. A cor da roupa, refletida em seus olhos, dava-lhe um aspecto quase irreal, linda demais para ser verdadeira. Fiquei absolutamente sem palavras, consciente de que meus olhos estavam presos a ela, e que minha expressão devia ser exatamente igual a de Adão, após morder a maçã e ver Eva nua a seu lado. — Violet… você está maravilhosa! — disse, pegando-a pelas mãos e beijando suavemente sua boca. Ela sorriu e seus olhos luziram, encantando ainda mais o meu pobre coração. Jantamos, rimos e depois, como fazíamos todas as noites, nos sentamos para conversar na confortável biblioteca. Por mais que eu a quisesse — e eu a queria como um louco! -, esperava o momento certo para me insinuar. — E então… gostou da surpresa? — ela perguntou, com ar maroto. — Adorei! Não imagina quanto esperei para ver você assim, exatamente como está. Ela sorriu e esticou o braço em minha direção: — Venha até aqui, quero lhe mostrar algo. Fui até ela e Violet tirou o anel de ouro do dedo mínimo para me mostrar: — Ganhei este anel de meu pai quando ainda era criança Ele tem uma flor-de-lis, o símbolo da França. Meu pai disse que pertenceu a uma das amantes de Luís XV e ele pagou, na época, uma pequena fortuna pelas peças. Tenho uma grande estima pelo conjunto. — Conjunto? — perguntei, sentindo uma sensação estranha em meu peito. — Venha, — disse ela, segurando minha mão. — Vou lhe mostrar. Subimos as escadas e ela parou em frente à porta de seu quarto. Meu coração se acelerou, imaginando o que me esperava lá dentro. Violet entrou e me levou consigo, trancando a porta atrás de nós. Aproximou-se de sua delicada penteadeira, pegou uma graciosa caixa de jóias, que devia valer uma fortuna, e dela tirou um cordão de ouro com uma pequena medalha. Minhas pernas tremeram. Duvidando do que meus olhos viam, olhei a peça que Violet balançava diante de mim: era a mesma medalha que eu tinha encontrado quando garoto. "Não faz sentido!", pensei. Foi ela quem me deu a medalha? Mas como era possível? Perturbado, por um minuto esqueci minhas intenções românticas e me concentrei na jóia, em sua his tória comigo. Na verdade, eu jamais consegui saber onde exatamente eu a tinha encontrado. Ela parecia ter surgido do nada… — Sabe o que é mais estranho? Pensei que tivesse perdido esta medalha. — disse Violet. — Perdido? Como assim…? — Uma tarde, enquanto passeava, percebi que ela não estava mais em meu pescoço. Fiquei muito triste porque é uma preciosa recordação de meu pai. Então, alguns dias atrás, encontrei-a caída no jardim. Parece que, da mesma forma como sumiu, reapareceu. Eu estava pasmo. Que falta fazia Millie para tentar me explicar aquilo. Será que a medalha tinha viajado até a mim e minha missão era trazê-la de volta? — Quero que a guarde consigo e use sempre, para dar-lhe sorte. — disse Violet com um sorriso. Coloquei a medalha no pescoço, imaginando o que aconteceria a seguir. Será que,

como em algum filme de cinema, eu ia Voltar para a minha época? Felizmente, não. Nada aconteceu. Eu continuava ali e Violet esperava que eu a beijasse. Seus olhos brilhavam numa mistura de ansiedade e receio. Ela sabia que, após aquela noite, nossas vidas seriam totalmente modificadas. Devolvi o olhar, mas em meus olhos não havia receio. Apenas amor e a certeza de que eu estava onde devia estar, de que Violet era minha única promessa de futuro. Abracei sua cintura com carinho e a trouxe para mim, encostando sua cabeça dourada em meu peito. — Seria impossível dizer o quanto a amo, Violet. Mais do que tudo neste ou em qualquer outro mundo. Ela ergueu o rosto e pude ler em seus olhos a mensagem: "Sou totalmente sua." Beijei-a suavemente, depois mais forte e com mais intensdade, despertando nela a vontade que também era minha. Com meus lábios, passeei por sua boca, rosto e pescoço — que, desta vez, ainda bem, estava todo exposto pelo decote do vestido. Beijei seus ombros, sua pele aveludada, seus seios esculturais. Ela respondia aos meus carinhos com sussurros e gemidos que só aumentavam meu desejo. Nunca me entreguei a alguém com tamanha intensidade. Virei-a de costas e> afastando seus cachos dourados, beijei sua nuca, mordendo de leve o pescoço, enquanto meu braço a colava em mim. Para me enlouquecer ainda mais, ela comprimiu seu corpo ao meu, movendo-se cadenciadamente e murmurando coisas que eu não entendia, mas que me excitavam demais. Virei-a de frente, olhei dentro de seus olhos brilhantes e a beijei outra vez, soltando seus cabelos, que desceram como ouro líquido pelos ombros macios. Violet me ajudou a despi-la de suas saias, corpetes e tudo que se colocava entre seu corpo e o meu. Então, parei um segundo para contemplar, deslumbrado, sua forma nua. Não consegui me lembrar de nada que pudesse se igualar a tamanha perfeição de formas e contornos. Poderia passar horas falando sobre sua cintura fina, seus quadris arredondados, suas pernas torneadas, seus seios firmes e macios, mas seria inútil: Violet era indescritível. Ela se aproximou. Tomei-a nos braços sem dizer uma palavra e levei-a para a cama. Depositei seu corpo sobre os lençóis e delicadamente passei a explorá-lo. Queria que Violet tivesse o máximo de prazer, que conhecesse tudo o que um homem apai xonado pode a oferecer à mulher que ama. Seus sussurros acompanhavam o ritmo de minhas carícias. Quando, suavemente, toquei seus mamilos enrijecidos, ela ge meu alto, segurou minha cabeça e levou minha boca de encontro a eles. Em seguida, suas mãos dirigiram meus carinhos até seu ventre alvo como a mais imaculada pétala de flor. — Adam, não pare, não pare! — ela sussurrava delirante. Mas eu parei. Afinal, ainda estava vestido e completamente louco para sentir sua pele na minha. Quando percebeu o que eu ia fazer, Violet levantou-se e começou a me despir. Repetiu cada carinho que eu havia feito, o que me levou a um desejo tão intenso que quase não aguentei esperá-la. Peguei seus braços e suavemente a afastei de mim. Totalmente nus, nós nos abraçamos, pele contra pele, sentindo o calor e o desejo em cada célula de nossos corpos. Segurei seu rosto e suguei sua língua, enquanto escorregava minha mão por seu ventre e acariciava seus pêlos já úmidos de desejo. Violet gritou, arfando, quando meus dedos tocaram sua intimidade, e ergueu o corpo para que eu a conhecesse ainda mais. Não conseguindo me conter, deitei sobre ela e a penetrei vagarosamente, tornando aquela mulher, por quem tinha feito o impossível, finalmente minha. Explodimos juntos num êxtase que só poderia ser chamado de divino, compartilhando

o mesmo prazer e a mesma paixão. Não sei por quanto tempo ficamos colados um ao outro. Só sei que aqueles momentos se repetiram muitas e muitas vezes, entre sussurros e várias palavras de amor. Por fim, deitada sobre meu peito, completamente exausta e saciada, Violet me acariciava, maravilhada pela noite que tivemos: — Nunca pensei, Adam… Nunca soube… É maravilhoso quando se ama… — Você é maravilhosa, Violet. Maravilhosa… — Eu te amo, Adam. Nunca pensei que pudesse viver uma noite como esta. Nunca! Vou ser sua para sempre. Ah, Violet! Como você me fez feliz naquele momento. Todas as minhas dúvidas e tristezas se foram e, no lugar, só havia você, minha mulher, minha loucura. Adormecemos quando o dia começava a nascer, certos de que nada mais neste mundo poderia nos afastar. Capítulo VIII Quando Henry nos acordou com suas batidas na porta, Violet levantou-se rapidamente e me pediu silêncio. — O que foi, Henry? — perguntou por trás da porta fechada. — Há um cavalheiro aqui para vê-la, senhora. Diz que é urgente. — Diga que me espere na biblioteca e sirva-lhe algo. Rapidamente nos vestimos e descemos para atender o tal cavalheiro. A partir daquele momento, minha presença na vida de Violet começaria a revelar seu objetivo. Oliver Sanders nos esperava saboreando o conhaque que Henry tinha servido e parecia muito à vontade numa casa onde jamais tinha estado. Entramos, ele nos olhou com olhos atentos, esperando que Violet o recebesse sozinha. Não gostei daquele sujeito. Ele me lembrava um cliente que, depois de comprar milhares de dólares em peças de porcelana, pagou com cheque sem fundos e sumiu do mapa. Permaneci em pé, alguns metros atrás dela, apenas ouvindo a lengalenga de Sanders. O homem vinha da América e tinha revelações urgentes a fazer. Disse que confiava na bondade e compreensão de minha amada. — O que tenho a dizer destruirá a vida de lorde Edward, caso se tome público. — E o que o fez me procurar e não ao meu sogro? — ela perguntou com firmeza. — Ora, milady, todos sabem que lorde Edward não tem dinheiro… — Entendo. Continue, por favor. — Bem, como vocês sabem, — disse ele, incluindo-me na conversa e louco para saber quem era eu — lorde Edward Saint James morou durante algum tempo nos Estados Unidos, período no qual tornou-se muito conhecido em certas rodas da cidade. Olhou para nós esperando que perguntássemos que rodas eram aquelas, mas nem eu nem Violei dissemos uma palavra. Decepcionado com o silêncio, ele continuou: — Lorde Edward era um famoso jogador e notório freqüentador dos mais famosos bordéis desde Nova Orleans até Nova Jersey, onde promovia festas regadas a muito uísque e mulheres. E foi numa dessas festas que conheceu Genebre Moore, uma garota de 16 anos que, apesar da pouca idade, tinha muita experiência no ramo, se é que me entendem. — Seria bom medir suas palavras, senhor! — protestei sério, pensando na honra de Violet. Ele me olhou e se desculpou, mas Violet não pareceu se importar: — Muito bem. Lorde Edward encantou-se por Genebre e teve um tórrido caso com a jovem. Após alguns meses, ele se cansou do affaír e os dois se separaram. Acontece que Genebre estava grávida na ocasião. Quando a criança nasceu, ela viu a chance de se

aposentar definitivamente, extorquindo seu sogro. — e olhou significativamente para Violet, que ignorou o olhar. — Onde quer chegar com essa história? — perguntei, com cara de pugilista matador. — De alguma maneira, Genebre conseguiu seu intento e mais: deixou a criança com lorde Edward e acabou se mudando para Cincinatti, onde abriu um bordel e enriqueceu rapidamente. "Cincinatti? Bordel?", pensei. "Será que a parente de Millie era essa tal de Genebre e não Camille, como eu pensava?" — Poucos meses depois, lorde Edward retornou à Inglaterra, trazendo a filha. O que ocorreu dai por diante eu só posso espe cular. Mas o fato é que a menina foi criada como filha legítima e, segundo me consta, vai se casar em breve. Camille! Camille era filha de uma prostituta americana de Cincinatti! Millie… Camille… elas eram parentes? — Como sabe dessa história? — perguntei, desconfiado. — Visitei Genebre algumas vezes e ela me contou, após uma das noites que passamos juntos. — O que quer de mim, senhor Sanders? — perguntou Violet tranquila, como se o homem tivesse acabado de falar sobre o cardápio do jantar. — Bem, a senhora sabe como a vida pode ser difícil para pes soas como eu que, apesar de habilidosas em muitas artes, não conseguem reconhecimento… — Está querendo dinheiro! — fuzilei. — Pode provar o que diz? — perguntou Violet. — Mas é claro. — e mostrou a Violet alguns papéis, ignoran do minha presença. — Quanto quer? — perguntei. O homem disse a quantia: uma verdadeira fortuna. Tive von tade de esganá-lo ali mesmo e depois pedir a Henry que varres se o lixo do tapete. — É muito dinheiro, senhor Sanders. Preciso de um tempo para levantar essa quantia. — disse Violet, levantando-se. — Uma semana, senhora. — disse Sanders com voz firme. — E se não pagarmos? — perguntei. — Neste caso, creio que lorde Mcgregor, futuro sogro da senhorita, achará muito interessante a leitura destes papéis. Violet olhou para o homem pensativa. Não havia nada em seu rosto que demonstrasse qualquer perturbação. — Volte em uma semana e conversaremos. E agora, se nos der licença… Violet chamou Henry e o chantagísta foi embora. — Você não vai pagar nenhum tostão a esse imundo, não é? — perguntei, ainda sentindo vontade de esganar o sujeito. — Claro que não, mas preciso de tempo para pensar, Adam. Não posso arriscar a reputação e o futuro de Camille. — Vou almoçar com seu sogro hoje. Quer que eu comente alguma coisa? — Não. Vou falar com ele pessoalmente. E pensar que ainda ontem lorde Edward condenava meu comportamento! Veja o que ele fez! Realmente, lorde Edward estava metido numa enrascada. Jogatina? Prostitutas? Festas de arromba? Ah, era vitoriana… tão cheia de virtudes e pudores! Violet se soltou de meus braços e me olhou nos olhos: — Com a visita de Sanders, nem pude lhe dizer… Obrigada pela noite que tivemos, Adam. Jamais me senti tão livre, tão viva, tão apaixonada. Obrigada por ter cruzado o oceano por mim…

— Ninguém apreciou mais essa noite do que eu, querida. E estamos apenas começando… Cheguei à casa de Edward Saínt James pontualmente na hora do almoço. Para minha surpresa, não era o único convidado. Lá estavam também Charlton e seu pai, Lawrence McGregor. E Camille, é claro. Olhei-a, pensando em tudo que tinha ouvido aquela manhã e me senti na obrigação de fazer alguma coisa para impedir que seus planos fossem dinamitados por um chantagista sem escrúpulos. Charlton era um belo rapaz, com ótimo senso de humor e um raciocínio lógico exemplar. A simpatia entre nós foi instantânea e nos envolvemos numa conversa muito agradável sobre política. Almoçamos em clima de amizade, embora eu soubesse muito bem que não escaparia facilmente da conversa com Edward Saint James. De alguma maneira, saber que ele tinha um passado escandaloso me tranqüilizou. Afinai, quem era ele para falar de Violet ou de mim? Camille e Charlton resolveram sair para um passeio. Lorde Edward, que esperava o momento certo para me pegar, teve seus planos frustrados pelo velho McGregor, que monopolizou minha atenção, descrevendo uma coleção de jóias que havia adquirido. Voltei para Deep Blue Fox refletindo sobre tudo o que aconteceu naquele dia, e constatando como a vida age por caminhos estranhos. Se naquela noite eu tivesse decidido não atender ao telefonema de Milhe, hoje não estaria aqui. Que enredo a vida tece! Violet estava caminhando quando cheguei. Corri para encontrá-la e contei tudo o que havia acontecido. Assim que ter minei, ela sorriu: — Parece que o destino está contra meu sogro… Não respondi. Apenas a abracei forte, mal conseguindo esperar para tê-la novamente. Durante dois dias, Violet e eu dividimos nosso tempo entre encontrar uma solução para o escândalo que envolveria lorde Edward e Camilie, destruindo suas vidas, e nos apaixonarmos cada vez mais. Ela se revelou uma amante ávida e ardente, e eu me entreguei por inteiro aos seus carinhos. Deus, que mulher extraordinária! O fatídico dia 22 de julho estava se aproximando rapidamente. Mas até onde eu podia perceber, nada sugeria que a vida de meu amor corresse perigo. Será que os documentos que o especialista me entregou estavam errados? De qualquer forma, eu não a deixava sozinha um segundo e até passei a evitar passeios pelos penhascos. O dia 22 amanheceu magnifico: uma linda manhã de verão com sol forte e céu muito azul. — Adam, vou falar com lorde Edward. — disse Violet, enquanto ainda estávamos aninhados na cama. — Mas hoje? — perguntei, demonstrando preocupação. — Quanto antes melhor. Ele precisa saber o que está acontecendo e, já que criou esta situação, ele que a resolva. — Não gosto da idéia de você enfrentá-lo sozinha. Violet riu e percebi nela uma força nova, uma coragem que, se antes era apenas latente, agora estava exposta a quem pudesse interessar. — Não se preocupe comigo. Sei lidar com ele muito bem. — Vou com você. — disse categórico. — Está certo, vamos juntos. Mas eu falo com ele. Agora quero você… — ela sussurrou em meu ouvido e eu a fiz novamente minha. Fomos recebidos por lorde Edward com extrema má vontade. Tinha certeza de que, se pudesse, ele mandaria alguém me jogar em algum porão de navio rumando para a África. — Preciso lhe falar, meu sogro. Em particular. — Violet foi simples e objetiva.

Foram para a biblioteca e eu os acompanhei, mesmo contra a vontade dele. Não ia deixar minha amada sozinha com aquele homem. Como estava ali apenas de ouvinte, pude observar as reações do lorde com atenção. Era marcante como ele perdia sua força e empáfia, conforme Violet revelava o que Oliver Sanders tinha dito. Edward Saint James pareceu envelhecer 20 anos naqueles minutos. Por mais que eu tentasse, era impossível não sentir pena dele. E, enquanto explicava o que realmente havia acontecido, percebi alguém parado atrás da porta. Dei uma volta pelo escritório, procurando um ângulo melhor, e notei Camille parada, com os olhos muito abertos e o rosto pálido. Aquilo não podia acontecer. Não era hora de Camille saber. Não daquela forma. A pobre moça ia ficar arrasada! Violet me olhou de forma interrogativa: — Está tudo bem, Adam? Eu não sabia o que dizer e fiz que sim com a cabeça. A conversa continuou e eu reparei que Camille se afastava. Violet, por fim, despediu-se, deixando Edward afundado em sua poltrona, com uma cara de dar dó. — Camille sabe. — eu disse em voz baixa, assim que saímos de lá. — O que está dizendo, Adam? — Ela ouviu a conversa escondida atrás da porta. — Mas… Por que não me disse? — Quando percebi, tudo já havia sido dito. — Meu Deus! — Violet estava pálida. — O que vamos fazer agora? — Vá para casa. Vou tentar uma coisa que talvez funcione. Mas, pelo amor de Deus, não saia de casa! — Como assim? Por quê…?! — Por favor, Violet: se me ama, faça o que eu digo. Fique em casa e sob hipótese alguma se aproxime dos rochedos! Ela me olhou aturdida: — Eu não entendo… — Por favor, prometa. Por favor! — Está bem… eu prometo que não sairei de casa. Beijei ela ali mesmo, esquecendo as conveniências sociais. — Eu te amo, Violet, e não quero que nada aconteça a você. — Também te amo… mas o que poderia me acontecer? — Nada. São apenas cuidados de um homem apaixonado. Ela subiu na carruagem e fiquei observando-a sumir na curva da estrada. Agora era minha vez. Voltei para a casa e pedi para falar com Camille, que não quis me receber. Estava trancada no quarto e a criada pôde ouvir o choro pela porta fechada. Insisti diversas vezes, até que mandei tudo às favas e subi as escadas correndo. Talvez pelo fato de Camille se parecer muito com minha querida amiga, eu tinha me afeiçoado a ela como a uma irmã mais nova. A menina não merecia passar por aquilo tudo. Soquei a porta do quarto, gritei, implorei, mas nada adiantou. Ela continuava soluçando desconsolada e não queria falar com ninguém. Sem ter outra alternativa, pedi que me arrumassem um cavalo. Eu, que tinha montado no máximo em um cavalinho de carrossel antes daquele dia, estava me sentindo o próprio Zorro cavalgando pelos campos ingleses. Tinha de correr e impedir que Camille fugisse, que Violet morresse, que a vida daquelas pessoas mergulhasse na desgraça.

Capítulo IX

. Millie Peterson abriu os olhos e novamente se viu sob o teto branco do hospital. Sentia-se melhor e não havia mais aparelhos ao lado de sua cama. Sentou-se e olhou em volta. — O que aconteceu, meu Deus…? — perguntou em voz baixa para o quarto vazio. Com calma, lembrou o incidente no laboratório, até o momento em que foi jogada contra a bancada e sentiu a cabeça doer horrivelmente. Dali em diante não sabia de mais nada. Onde estaria Adam? Precisava sair dali e saber o que tinha acontecido com o amigo. Chamou a enfermeira e levantou-se. Não sentiu tonturas nem dores que a impedissem de andar. Foi ao banheiro e estranhou que não tivesse um espelho. Quando saiu, o médico a esperava. — Senhorita Peterson! Que susto nos deu! — disse o simpático homem de avental branco. — Sou o Dr. Miller, o médico encarregado de seu tratamento. — O que houve comigo? E com Adam? — perguntou Millie. — Não sei quem é Adam, mas a senhorita ficou vários dias desacordada. Teve queimaduras nos braços e pernas. Millie olhou as bandagens em seu corpo. — Foi sério? Vou ficar com cicatrizes? — Foi sério, sim. Quanto às cicatrizes, provavelmente terá marcas mínimas; nada que comprometa sua aparência. Já com relação à sua cabeça, o corte foi bem sério… e tivemos de raspar seu cabelo. — Estou careca? Putz! — exclamou, sentando-se na cama. — Bom… até que eu estava mesmo pensando em cortar o cabelo… Mas, e Adam? — Não o conheço. — Adam Schuster, que estava comigo no laboratório! — Lá não havia ninguém além da senhorita. — Ninguém? Como, ninguém? Adam entrou na área de segurança, eu liguei os equipamentos e então… Meu Deus!!!!!! — ela levantou-se e pegou o médico pelo braço. — Ele conseguiu! Nós conseguimos! O doutor Miller pensou em chamar um psiquiatra: a moça não estava bem. — O senhor não entende? Deu certo! Nós conseguimos! — Ela dançava pelo quarto. — Senhorita Peterson, por favor, não se agite! — Há quanto tempo estou aqui? Quando posso ir embora? — Dentro de dois ou três dias, se tudo estiver bem. Está conosco há duas semanas. — Nossa! Dormi duas semanas enquanto Adam está perdido em 1800! Por que o senhor não me acordou? — A senhorita estava inconsciente! Não era possível simples mente acordá-la. — E o laboratório, como está? — Destruído e o prédio foi interditado. Lamento muito. Interditado? Destruído? Como ela ia trazer o amigo de volta sem os equipamentos? — Preciso ir embora. — disse Millie, com a maior calma do mundo. — Desculpe, mas isso não será possível. Preciso saber se realmente está tudo bem. — Eu estou ótima, não está vendo? Preciso voltar pra casa. Ainda tenho cópia das anotações do doutor Faingold! O médico saiu discretamente e trancou a porta. Chamou a enfermeira e pediu que acionasse o chefe da psiquiatria. A moça estava visivelmente perturbada. Violet andava de um lado para outro, sem conseguir sossegar. Camille sabia. Aquilo

era o pior de tudo. E pensar que ela, de forma egoísta, tinha até gostado de conhecer o passado do sogro, que a ameaçou de forma injusta só porque tinha um hóspede em casa. Claro que Adam era mais que um hóspede. E claro que eles eram amantes, mas isso era temporário, já que nada os impedia de se casarem. Mas Camille… Ela não merecia aquilo. Era tão jovem, tão linda… e amava Charlton com tanta sinceridade… E Adam? Onde estaria ele? E por que lhe pediu que não saísse de casa? Tamanha era a preocupação de seu amado que ela concordou em atendê-lo, mas aquilo não fazia sentido. E Oliver Sanders? Como ia se livrar dele? Violet continuou andando de um lado para o outro, procurando se acalmar. Olhei para a imponente mansão à minha frente e cavalguei até a porta de entrada. Sentia-me um dos heróis de minha Infância, que desce do cavalo e vai salvar a mocinha dos índios prestes a queimá-la numa fogueira enorme. O homem que me atendeu ficou surpreso com meus trajes empoeirados e com o cavalo que, àquela altura, passeava tranqüilo pelo jardim. Eu me apresentei e disse que tinha urgência em falar com seu patrão. Rezava para que Violet tivesse juízo e ficasse em casa e para que tudo desse certo. Eu estava mudando a história e sabia muito bem disso, mas não tinha voltado no tempo à toa. Havia um propósito naquilo. Só os anos diriam as conseqüências dos meus atos… Camille não se conformava. Não sabia o que era pior: a mentira do pai, o fato de a mãe ser uma qualquer, o impacto que a verdade teria em Charlton ou a traição de Violet. Tudo de repente tinha virado um pesadelo em sua vida. O que seria de seu futuro? Não ia mais se casar, sua melhor amiga queria sua desgraça, seu pai era um libertino e o escândalo e a injúria acompanhariam seu nome para sempre. Mas isso não podia acontecer. Ela precisava falar com Violet e encontrar uma solução. Seu futuro dependia daquilo! Continuou chorando, abraçada ao travesseiro, pensando no que fazer para a cunhada mudar de idéia. De repente, ela soube: apelaria à amizade e compreensão de Violet. Quando enfim conseguiu controlar as lágrimas, Camille decidiu procurá-la imediatamente. Violet não podia falar com Charlton. Olhando pela janela, ela não conteve a vontade de caminhar. Tinha de sair de casa, respirar ar puro. Mesmo prometendo a Adam que não sairia, que mal havia em dar uma volta rápida? Seus pensamentos sempre se aclaravam em meio ao ar do campo. Ela desceu as escadas em silêncio, cruzou os salões vazios e eu ao encontro de seu destino. Violet adorava aquelas caminhadas. Tinham o efeito de lim ar sua mente e renovar seu espírito. Aprendeu com o pai que exercícios ao ar livre renovam os ânimos. Mesmo nos piores dias e seu casamento, eram as caminhadas que lhe davam forças ara suportar a presença de Stewart. Agora tudo estava tão diferente… Desde que Adam chegou, sua vida ganhou uma imensidão de luz e força. Ela se sentia mulher, desejada, sedutora. Tinha uma razão para ser quem era, um sentido maior para existir. E o modo como ele a tocava… Vio let descobriu a própria sexualidade e isso fazia dela uma pessoa melhor. Olhou os rochedos ao longe e se dirigiu para lá. Queria ver o horizonte, respirar o cheiro do mar como já havia feito tantas vezes antes. Com certeza poderia ajudá-la a encontrar uma maneira de salvar Camille. Saí da casa com o coração aos pulos. Fiz tudo o que pude, inclusive me intrometer no caminho do destino. Agora não dependia mais de mim. Por algum motivo eu estava com

pressa, com muita pressa. Meu reino por uma Ferrari! Queria voar para . Deep Blue Fox e ficar ao lado de minha mulher até que aquele maldito dia terminasse. Sem Ferrari, mas cavalgando o mais rápido que conseguia | com minha inabilidade como jóquei, parti em direção a Deep Blue Fox, tendo a imagem de Violet à minha frente. Magnífica, linda, resplandecente. Quanto prazer, quanto amor havia entre nós! Pensei em Millie e na tia Albertine; pensei no quadro que me enfeitiçou assim que o vi; e esporei o cavalo, tentando me equilibrar em cima da sela. — Violet! Violet! Espere… — gritou Camille, correndo ao encontro da amiga. Violet acenou e imaginou o que viria a seguir. De costas para o penhasco, esperou a cunhada se aproximar. Camille corria em direção a ela, parecendo desesperada. Conforme chegava mais perto, Violet podia ver seu rosto vermelho e seus olhos inchados. Pobre menina! Que destino! Ela precisava falar logo com Charlton e esclarecer aquela situação… — Violet! — Calma, assim vai ficar sem fôlego para os beijos de seu noivo! — brincou. — Violet! Pelo amor de Deus! Não conte nada a ele! Não destrua minha vida! Segurando a cunhada pelos ombros, perguntou: — Do que está falando, Camille? "Será que lorde Edward havia contado alguma coisa para a filha?", ela pensou. — Você sabe do que estou falando. Ouvi sua conversa com papai hoje, pela manhã. Por que quer destruir minha vida? Pensei que fôssemos amigas! — Mas nós somos! Eu a amo como a uma irmã! De onde tirou a idéia de que quero destruí-la? Camille deu um passo à frente e Violet retrocedeu. Estavam agora mais perto da beirada do penhasco. — Eu ouvi suas palavras esta manhã. Você vai contar tudo! Já não me basta ser filha de uma rameira, ainda preciso perder o homem que amo? — Você não está entendendo… Não é como pensa, Camille. A moça avançou para lhe implorar que nada dissesse e Violet deu mais um passo para trás. Estava perigosamente perto da beirada da rocha. Lá embaixo, o mar muito azul, como sempre, chocava-se contra os corais. — Camille, ouça, por favor! Não é como você pensa. Não quero lhe fazer mal! Violet sentia o desespero da moça e estendeu a mão para acariciar seu rosto. Neste momento eu surgi, cavalgando feito louco, gritando para que Violet se afastasse dali. Ela interrom peu o gesto que fazia em direção a Camille no meio do caminho e olhou para mim com espanto. Desmontei e corri para ela. Camille me viu correndo e olhou novamente para Violet: — Como você é egoísta! Só pensa em Adam e em si mesma! Não se preocupa comigo! — Não, Camille, não! Por favor, deixe-me explicar… Eu só quero o seu bem! Camille levantou a mão e desferiu uma bofetada na moça. — Traidora! — gritou a jovem, totalmente descontrolada. Violet desequilibrou-se com o tapa e lançou o corpo para trás. Seus pés escorregaram e ela caiu de costas em direção ao precipício. Sem pensar, joguei-me atrás dela e, até hoje não sei se por milagre ou porque tinha de ser assim, consegui agarrar seu vestido, deixando-a pendurada no ar. — Adam! Espere! — gritou Charlton, correndo para me ajudar. — Charlton? — Camille olhava sem compreender de onde o rapaz tinha surgido. Então olhou desesperada para Violet, que flutuava, presa apenas pela barra da saia, a qual, para sua sorte, era forte o suficiente para segurar um elefante. — Violet, calma, vou puxá-la! — disse eu, e Charlton me ajudava a trazê-la para

cima. Com muito esforço, conseguimos, enquanto Camille chorava desconsolada ao nosso lado, achando que rinha matado a amiga. Deitada sobre a grama, Violet me olhou e perguntou, antes de desmaiar: — Como você sabia? Quem é você? Olhei para Camille e Charlton. Tomei Violet nos braços e a levei de volta para casa. Ela estava salva, viva e, de agora em diante, a sorte estava lançada. Além daquele ponto, o futuro era uma página em branco onde qualquer coisa poderia ser escrita. Capítulo X — Não pense que vai escapar de me dar todas as explicações que quero, Adam. — disse Violet por cima da xícara do chá que o médico havia receitado. — Não sei o que dizer! — exclamou Camille, chorosa. — Não fosse por Adam, você estaria morta agora. Ele salvou sua vida! — Salvou a vida de todos nós. — completou Charlton, emo cionado. — Teve muita coragem em me procurar, Adam. — Não foi coragem, mas desespero. Achei que seria sensato e entenderia a situação. Eu estava exausto. Tentava escapar dos olhos de Violet, imaginando o que dizer a ela: "Tive uma premonição." "Uma cigana me avisou." "Sonhei com isso." Ou poderia simplesmente contar a verdade: "Violet, eu sabia que você ia cair daquele penhasco porque li na história de sua família, em um relatório que encomendei no ano de 2005". — O que farão agora? — Violet olhava para Camille com olhos cansados. — Vamos nos casar e depois iremos para a América. Temos alguns negócios lá e pensei em investir nas plantações do sul do país. — respondeu Charlton. — Eu nem sei o que dizer… — balbuciou Camille, ainda em choque pela queda da cunhada. — E eu não sei como você pôde imaginar que eu a abandonaria só porque seu pai agiu mal no passado. A mim não importa quem é ou foi sua mãe. Eu a amo, Camille. — disse Charlton, abraçando a moça com carinho. — Ainda temos Oliver Sanders… O homem não vai se conformar em ficar calado. — Deixe Sanders comigo. — respondi, cheio de orgulho. — Sei muito bem como cuidar dele. — Bem, Violet precisa descansar. Ela ainda está muito pálida. — disse Camille, saindo do quarto e puxando o futuro marido pela mão. — Fique comigo, Adam. — pediu minha deusa loira, que tinha jóias no lugar de olhos. Eles se foram, eu fiquei. Deitado ao lado dela, acariciava seus cabelos de ouro, sentindo que o momento da verdade se aproximava. — Quem é você, Adam Schuster? E não venha me dizer que teve uma premonição nem que sonhou que eu ia cair. Há mais nesta história e eu quero a verdade. — A verdade, minha querida, — respondi, titubeando — é que eu a amo mais do que a vida. Você é a mulher que Deus designou para mim… Só que a colocou muito longe… e eu tive de fazer o impossível para encontrá-la. Bem, essa era a verdade, não era? —Adam, não minta para mim nunca. Eu o amo, sou sua, mas isso tudo vai acabar no dia em que eu descobrir que mentiu. Olhei para ela. Linda, sensual, minha. Beijei seus olhos e seu rosto com carinho.

— Eu estava apavorado, Violet. Se alguma coisa acontecesse a você, não sei o que seria de mim… — Então me abrace… — Ela me envolveu com uma ternura sem igual e novamente senti o delicioso perfume natural de sua pele. Respirei fundo e comecei a alisar seus cabelos: — Eu vim de muito longe para ter você, querida. — Da América? — Sim… da América, mas de muito longe… — Não entendo… — Violet, eu não sou deste tempo. Nasci no ano de 1970. Cresci em uma cidade do interior de Nova York, estudei na Universidade de Harvard e me formei em História. Meu pai era um fabricante de cabides e minha mãe uma mulher enérgica, mas muito amorosa, que deu o melhor de si para me transformar em alguém decente. — Adam! O que está dizendo…? — A verdade. Apenas escute. — Depois que me formei, fui trabalhar em uma casa de leilões de arte e me dei bem no ramo. Muito mesmo. Tornei-me especialista na avaliação de espólios e na compra e venda de objetos antigos. — Por isso sabia que os objetos de sir Edward valeriam muito em alguns anos? — perguntou ela, mas sem acreditar em nada do que eu dizia. Contei a Violet sobre Milhe e sua incrível semelhança com Camille, e falei das minhas desconfianças de seu parentesco com Genebre. — Mas isso é incrível… Como se, de alguma forma, estivéssemos ligados… Então falei sobre a medalha de ouro, que não sabia explicar como ela havia chegado às minhas mãos. — Minha medalha…? Eu a achei no dia em que encontraram você na estrada! — O dia em que cheguei… Ela me olhou séria e se calou. Contei sobre a tia Albertine e minha viagem a Blue Trees. Falei do quadro, que estava guardado no porão da velha, junto com outros objetos que eu havia visto em sua casa. — Mas… minhas coisas foram parar lá de que maneira? — Isso não sei… mas, quando a vi naquele quadro, Violei, eu enlouqueci. Apaixonei-me de tal maneira que sonhava com você todas as noites e não conseguia mais pensar em outra coisa. Enlouqueci de paixão, de amor. Mandei pesquisar sua vida, a de sua família e a história de Deep Blue Fox. Violet me ouvia atentamente, sem piscar. Continuei a narrativa até chegar ao dia em que convenci Millie a participar da minha loucura. — Está me dizendo que em sua época as pessoas… viajam no tempo? E que você voltou 150 anos no passado para me ver? Adam! Comecei a explicar tudo e, quando dei por mini, estava falando sobre viagens espaciais, as sondas enviadas a Marte, as maravilhas da medicina e da biologia. Ela ouvia tudo com atenção, mas era impossível saber se Violet me achava um louco ou se estava acreditando nas minhas palavras. A imagem da cela acolchoada passou diante de meus olhos e, por um minuto, pensei nos hospícios do século XIX. Senti calafrios de pavor e voltei à narrativa, até o ponto em que eu havia acordado em sua casa. — Eu… realmente não sei o que dizer. Por mais estranho que tudo isso me pareça, não consigo sentir que você esteja mentindo. — E não estou. Eu vim mesmo de outra época para encontrá-la. Tudo o que fiz foi por você. Tudo por você. E faria novamente, quantas vezes fossem necessárias, apenas para tê-la assim, nos meus braços.

— Adam… não sei de onde você veio realmente, mas nun ca imaginei que o destino pudesse me reservar tanta alegria. A mim só importa uma coisa: que agora estamos juntos. — Amo você demais, Violet! — eu disse, com lágrimas nos olhos. — Então me abrace forte e prometa que nunca vai me deixar. Minha resposta foi beijá-la com uma paixão que, com certeza ela percebeu, seria eterna. Até um segundo antes de salvar Violet, eu era mais ou menos um espectador dos acontecimentos. Embora minha presença pu desse ter provocado ligeiras mudanças aqui e ali nas situações, eu não havia interferido diretamente no curso dos acontecimentos. Mas agora, agora eu tinha virado um ator na história. Havia mudado o passado e não conseguia imaginar que consequências meus atos teriam no futuro. Será que minha paixão por aquela dama de olhos violeta seria responsável pelo fim da humanidade? Amaldiçoei o momento em que assisti ao filme O Efeito Borboleta, com todas as consequências desastrosas que o rapaz pro vocou até finalmente acertar as coisas. O problema é que, para tudo ficar bem, ele precisou desistir de seu amor. Eu não desistiria de Violet jamais! Estas perguntas ficaram me azucrinando a cabeça, até que decidi esquecê-las. Tudo o que eu podia fazer dali para a frente era amar minha mulher e meus filhos e tentar ajudar os outros com o conhecimento de fatos históricos que estavam por vir. Sentada no sofá de sua casa, Millie olhava com desalento para as caixas no chão. Estava de mudança. Ia para a casa de tia Albertine em Blue Trees. O médico havia recomendado que receber, todas elas datilografadas com uma autêntica Remington de l890.

Espero não ter deixado nada de fora. Também estou lhe enviando duas peças em ouro. A medalha com a flor-de-lis, que eu usava desde criança, e o anel, com o mesmo motivo, que aparecia no dedo de Violei no quadro da tia Albertine. A medalha é presente meu, o anel, de Violei. Esperamos que eles lhe tragam a mesma sorte e felicidade que você nos proporcionou quando concordou em me ajudar. Que mais posso dizer, minha querida? Sou um homem realizado e me divirto muito por aqui. Não sei que consequências minha loucura causou ao mundo, nem o que o futuro me reserva, mas uma coisa é certa: enquanto viver, serei eternamente agradecido a você. Ah, sim: também deixei ordens expressas para que os objetos de Violet e um quadro fossem entregues na casa da tia Albertine e guardados naquela saleta. Assim vou saber que um dia eles serão encontrados e leiloados, como aconteceu quando eu estava aí para ajudá-la. Pelo menos essa parte do seu futuro não deverá ser alterada. Você terá uma vida bem confortável Seu amigo de ontem e sempre, Adam Schuster Millie abriu a caixa onde estavam as peças que Adam mencionou. Dentro havia um bilhete:

Querida amiga, Nunca nos vimos, mas, se há alguém neste mundo que posso chamar de amiga, este alguém é você. Muito obrigada pela felicidade que trouxe á minha vida, pelo marido maravilhoso que me deu, pela alegria de ter meus filhos e meus netos. Que Deus a abençoe cada dia mais. Sinceramente, Violet Saint James Schuster

Chorando como criança, Millie pegou o maço de papéis datilografado, desamarrou o laço de cetim e começou a ler. O caminhão da mudança chegou e ela deixou que os homens levassem tudo, menos o sofá onde estava. Quando finalmente leu a última palavra, caiu no choro outra vez, sentindo-se tomada por uma felicidade imensa e uma saudade sem tamanho. Epílogo Millie estava no quarto da sua nova residência acomodando alguns vestidos no amplo guarda-roupa. Ten tou ajeitar a peruca, que como sempre estava torta, até que se encheu e atirou-a longe. — Já descarregaram tudo, dona Millie. — aproximou-se a sra. Thumbnails com sua voz estridente. — Agora, aconteceu uma coisa muito esquisita com os homens que foram no aparta mento do seu amigo buscar o quadro que a senhora pediu. — O quadro de Violet que estava no apartamento de Adam? Não entendi. O que aconteceu? — Bom, eles bateram na porta e atendeu uma mulher dizendo que lá não tinha ninguém chamado Adam. Ela falou que morava naquele lugar com o marido e os filhos há mais de dez anos. — Mas… Mas isso não é possível. Será que não foram ao apartamento errado? — Não, senhora. Eles até conversaram com o zelador, que também afirmou que ali nunca morou ninguém chamado Adam. Millie olhou desconfiada, achando que tinha havido alguma confusão. Como assim ninguém conhecia Adam Schuster? — Em compensação, fui descer para limpar o porão e vi um embrulho grande naquela salinha que vivia fechada. Tem jeito de ser um quadro… — comentou a faxineira. — Não pode ser. Eu e Adam retiramos tudo daquele lugar. Será que… Vamos ver isso já! Millie largou a mulher e voou escada abaixo. Entrou no porão e abriu a porta da saleta onde tia Albertine guardava o retrato de Violet. Em meio às sombras, encostado à parede do fundo, ela viu um objeto retangular, enrolado por um cobertor e amarrado com tiras de couro. Cuidadosamente e mal conseguindo conter a ansiedade, le vou-o para fora, diante da expressão apalermada da faxineira, que a seguira até ali. A jovem ajoelhou-se e começou a desamarrar as tiras de cou ro, sentindo seu coração se acelerar a cada nó desatado. Com as mãos tremulas, virou-o para a luz e seus olhos se arregalaram. A sua frente não estava a enigmática figura de Violet, que ela esperava encontrar, mas Adam, Violet e três crianças, entre 4 e 8 anos de idade, todos elegantemente vestidos. No dedo da mulher, o anel com a flor-de-Iis. Na lapela de Adam, um broche com o rosto do Mickey. Típico dele, uma brincadeira daquelas. Nesse momento, a moça lembrou-se da carta do amigo: "tam bém deixei ordens expressas para que os objetos de Violet e um quadro fossem entregues… ". Ele escreveu um quadro, não o quadro. Adam sabia que a história seria modificada, que a figura solitária de Violet naquele primeiro retrato, responsável por sua viagem impossível, havia se tornado mero vestígio de um outro passado. E isso a deixou preocupada. Se evitar a morte de Violet no passado alterou o futuro

a ponto de Adam não mais existir no presente, que outras mudanças sua presença em 1890 poderia ter causado? Mas ela pensaria nisso em outra hora. Millie voltou a olhar para o quadro, encantada com a expres são de alegria em todos os rostos da pintura, e sorriu para si mes ma. "Adam, seu filho da mãe! Vou morrer de saudades de você!" Levantou-se e jogou um beijo para a família feliz, que sorria, do passado, diretamente para ela. — Sobre a lareira. — disse para a sra. Thumbnails. — Vou querer este quadro sobre a lareira! — Edward Schuster? — ela perguntou assim que abriu a porta. — Eu mesmo. Você é Millie Peterson? Millie olhou para o bisneto de seu amigo e sorriu. Mesmo jeito, mesma estrutura física. Só a cor dos olhos era diferente; violeta. — Entre. Temos muito o que conversar… O rapaz a seguiu, imaginando por que alguém tão bonita raspava a cabeça daquele jeito. "Americanas", pensou. "Elas tinham cada mania…"

***
Amores Eternos 04 - Nas sendas do tempo - Loreley McKenzie

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